Amizade. Uma palavra que, por ser tão comum e fazer parte da vida desde tenra idade, parece que se identifica profundamente com a experiência humana e que sempre esteve, e sempre estará, ligada à própria natureza do ser humano.
Poderia parecer algo trivial, mas você conseguiria descrever precisamente o que entende por amizade? Como você aplica esse conceito e como ele impacta na sua experiência de vida? Que tal fazermos um rápido exercício juntos: feche os olhos e calmamente tente recordar das amizades que viveu… que sensações, memórias e acontecimentos aparecem na sua mente?…
Rostos, momentos felizes, uma sensação interna de expansão, alegria, leveza, confiança, valentia, esperança. O que é certo é que quem tem amigos também tem muitas histórias para contar, não é mesmo?
E, voltando ao exercício proposto, em que começamos a olhar um pouco mais para dentro de nós mesmos, se prestarmos mais atenção e começarmos a pensar ativamente sobre o assunto, será que também não vão surgir muitas perguntas e mesmo algumas inquietudes?
Afinal, o que é a amizade? Seria apenas uma relação pacífica entre pessoas, uma parceria ou simples coleguismo? Seria apenas mais um bom sentimento ou poderia ser algo mais profundo, que torna nossa passagem pela vida algo mais feliz e suportável ante as lutas que se apresentam?
González Pecotche publicou, em fevereiro de 1941, um artigo intitulado “A Amizade”, com alguns ensinamentos sobre o tema, e o inicia de forma peculiar, ao destacar o conteúdo sensível e do conceito com um poema. Condensando seu pensamento dessa forma, afirma ao final que “O homem que não rendeu culto à amizade poderá ter vivido como um ente bruto, mas nunca como um ser humano” (livro Coletânea da Revista Logosofia tomo 2 – “A Amizade”)
Em essência, poder-se-ia dizer que a amizade é uma das mais nobres expressões da sensibilidade humana e inclusive o que nos faz verdadeiramente humanos? A amizade seria, portanto, uma manifestação elevada do espírito humano e um valor de essência superior que atua como reserva e força potencial a ser descoberta em cada um de nós? E, se for visto desta maneira, a amizade não poderia ser Deus mesmo nos mostrando “que a tendência de todo ser racional de estender seu afeto ao semelhante”, como ensina Gonzalez Pecotche, é um caminho para chegarmos mais próximo d´Ele, praticando a união, um a um, vinculando-nos de indivíduo a indivíduo?
Recordando os momentos vividos com minhas amizades, observei que, com algum esforço, era possível traçar uma conexão, formando até uma espécie de corrente, ou fio guia, que poderia muito bem contar a história da minha própria vida. Fiquei pensando na eloquência dessa imagem, que explica o motivo de reunirmos os familiares e os amigos quando celebramos aniversários e outras datas importantes, onde me sinto ainda mais feliz e completo. Junto com os amigos, fazem-se também presentes fragmentos da minha própria vida que poderiam ficar esquecidos, mas que quem os viveu faz questão de os recordar, porque de alguma maneira também ficou marcado em si como parte da sua própria vida. É como se algo unisse nossas vidas representadas nessa recordação, a sensação de que a minha própria vida é uma extensão da vida do outro. Recordando com consciência e gratidão desses bons momentos vividos, de como crescemos e evoluímos juntos, sinto internamente uma expansão, uma sensação de placidez, de eternidade e até de algo espiritualmente mais elevado.
E você, já sentiu algo parecido? Já parou para pensar como foi para você a construção e o cultivo das amizades ao longo da sua vida? Tenho muitos amigos ou poucos amigos? Por quê? Quantos bons amigos, amigos de verdade, amigos com “A” maiúsculo, eu tenho? O que eu entendo como um bom amigo? E quanto a mim mesmo? Serei eu um bom amigo? O que posso fazer para me tornar um amigo melhor?
Tenho certeza de que cada um que fizer esse esforço vai conseguir recordar muitos momentos felizes vividos e certamente haverá de se sentir grato a todos esses seres que também conviveram conosco em algum momento de tristeza. Momentos estes que com certeza ficaram mais leves pela força que a amizade infunde, que inspira as melhores virtudes e que nos faz descobrir energias que tornam mais suportáveis as experiências amargas inerentes ao gênero humano. Um abraço afetuoso de um amigo no momento de dificuldade dispensa qualquer palavra ou explicação racional, não é mesmo?
E, tendo trazido de volta ao coração essas boas memórias, sei que cada um renovou mais de uma vez os votos de voltar a cultivar aquela amizade, mandar uma mensagem, fazer uma ligação, marcar um café, um jantar. E, sinceramente, se estiver sentindo-se assim, então pare de ler este texto e aja! Não perca a oportunidade! Afinal, para ser amigo, não é necessário fazer nenhum curso especial, mas sim algo inato e que flua espontaneamente de nossa natureza humana.
“A amizade, tal como é no fundo e em sua singeleza, equivale ao afeto que, nascendo no coração dos seres humanos, emancipa-se de toda mesquinhez e interesse, enaltecendo e enobrecendo o pensamento e o sentimento dos homens.” (Coletânea da Revista Logosofia 2- A Amizade).
O que será que a prática consciente dessa força que é a amizade poderia trazer de bem à sua vida e dos seres à sua volta? Será que, em última instância, se cada um cultivar conscientemente esse bem, não poderá também mudar o curso de toda a humanidade?
“Se algo existe na natureza humana que demonstre de forma mais palpável a previsão do Criador Supremo ao lhe infundir seu hálito de vida é, sem dúvida alguma, a propensão de todo ser racional a estender seu afeto ao semelhante, já que nisso, poderíamos dizer, se apoia a manutenção ou perpetuação da espécie humana.” (Coletânea da revista Logosofia 2- A Amizade)
Um pensamento de Diego Bet
Diego é médico dermatologista. Estuda e é docente de Logosofia em Chapecó desde 2003.