Um dia, um cristão – como qualquer um de nós – levantou-se mais cedo para assistir o amanhecer. A beleza da criação Divina estava além de qualquer descrição e, enquanto contemplava, louvou o Criador pelo Seu esplêndido trabalho. Naquele momento, Deus falou com ele:
– Você me ama?
– É claro que sim, meu Salvador!
– Se você tivesse alguma dificuldade física, ainda assim me amaria?
– Seria difícil, Senhor, mas eu ainda Te amaria.
– Se você fosse cego, amaria minha criação?
– Como eu poderia amar algo sem a possibilidade de ver? É estranho pensar nisso, mas acredito que eu amaria só de ouvir falar.
– Caso você fosse surdo, ainda ouviria a minha Palavra?
– Como poderia ouvir algo sendo surdo? Mas, pensando bem, ouvir a Palavra não é simplesmente usando os ouvidos e sim o coração. Bem, embora também fosse difícil, eu ainda ouviria a Tua Palavra, Senhor.
– E se fosse mudo, ainda louvaria meu Nome?
– Se permitisses que eu cantasse com a alma, eu louvaria Teu Nome.
– Então, você realmente me ama!
– Sim, Senhor. Eu Te amo como meu único e verdadeiro Deus!
– Então, por que peca?
– Porque sou apenas um humano! Não sou perfeito!
– Mas, quando está com problemas, você procura ser perfeito e reza com fervor, canta nos retiros, me busca nas horas de adoração… Por que, nesta semana, você não está espalhando as boas novas? Por que cria desculpas quando lhe dou oportunidades de servir em meu Nome? Você é muito abençoado e eu não lhe fiz para que jogasse sua vida fora. Eu o abençoei com talentos para me servir, mas você continua pecando! Será que você realmente me ama?
– Por favor, perdoa-me, Senhor. Eu não sou digno de ser Teu filho.
– Esta é a minha graça, filho: eu nunca o abandonarei. Quando você chorar, eu terei compaixão e chorarei com você. Quando cair, vou levantá-lo. Quando estiver cansado, eu o carregarei. Estarei com você até o final dos tempos e o amarei para sempre.
– Como pude ter sido tão fraco, Senhor? Como posso não esquecer o quanto me amas?
Então, Jesus esticou Seus braços e mostrou-lhe as mãos com dois enormes buracos sangrentos. Logo, o filho pecador curvou-se aos Seus pés e, chorando, O adorou verdadeiramente.
Pois é, há coisas na vida que nunca esquecemos e, outras, muito mais importantes, que só lembramos quando alguém nos sacode. Normalmente andamos na ‘contramão’ da estrada que nos leva ao Céu. Nessa caminhada, não ouvimos o chamado de Deus à conversão, não damos a mão ao irmão necessitado e nos deixamos levar pelo egoísmo, vaidade e ambição.
A cada passo dado na contramão, a nossa carga de pecados fica ainda mais pesada e mais nos distanciamos da graça de Deus. Infelizmente, isso continua acontecendo com a maioria das pessoas, não? Mas, considerando a grande dose de inteligência que somos dotados e o dom da fé que recebemos no batismo, por que demoramos tanto para dar meia-volta e correr para os braços do Pai? Se Deus falasse com cada um de nós – como na história do início –, nos converteríamos mais depressa.
Mas, depois de tudo que Jesus sofreu e diante de tantos milagres que acontecem a todo momento, seria um absurdo exigir ouvir a voz do Senhor ecoando alta e clara em nossos ouvidos – da mesma forma que ocorreu na história. Quem busca, a ouve diariamente na Missa, na Bíblia e nas palavras do pobre que clama por socorro, contudo, como colocar isso na cabeça daquele que não tem fé? O que podemos fazer é mostrar-lhe que não somos capazes de enquadrar os mistérios de Deus nos estreitos limites da razão humana e, ainda, afirmar que a Santíssima Trindade está infinitamente acima da nossa capacidade de compreensão.
São Paulo dizia aos romanos que “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom 8, 28) e, para quem tem fé, isto é suficiente para confiar na providência Divina. Portanto, o Senhor sabe aproveitar os acontecimentos da nossa vida para o nosso próprio bem. Aceitar esta verdade é ter fé e saber abandonar-se nas mãos de Jesus.
Todos os santos chegaram ao Céu pelo martírio ou pela perseverança na oração, e não será andando na ‘contramão’ que iremos imitá-los. Mesmo vendo centenas de pessoas correndo morro abaixo e se afastando de Deus, devemos continuar buscando o perdão do Pai e caminhar passo a passo rumo à vida eterna. Refletindo nos ensinamentos bíblicos, enxergaremos melhor as ‘placas de sinalização’ para acharmos o caminho certo.
Conta-se que um rei resolveu criar algo diferente para as pessoas do seu povoado: um lago de leite. Então, pediu que cada um levasse um copo de leite naquela próxima madrugada e o jogasse no reservatório vazio. Quando amanhecesse, o lago estaria formado.
Na manhã seguinte, tal foi a surpresa quando o rei viu o lago cheio d’água e não de leite. Consultando o conselheiro do reino, foi informado que todas as pessoas tiveram o mesmo pensamento: ‘No meio de tanto leite, se o meu copo for de água, ninguém perceberá!’
É por este tipo de comodismo que continuamos andando na ‘contramão’. Se cada um fizer a sua parte em qualquer circunstância da vida, sempre estará pronto a dizer: ‘Bendito seja Deus que me conduz ao Céu!’
Ø Paulo R. Labegalini
Cursilhista e Ovisista. Vicentino em Itajubá. Engenheiro civil e professor doutor do Instituto Federal Sul de Minas (Pouso Alegre – MG).
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