Fumo, uso de óleos lubrificantes e, sobretudo, queima de combustíveis fósseis são fontes de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), alguns deles compostos tóxicos que, caso inalados, ingeridos ou em contato com a pele, podem causar danos à saúde, inclusive risco de câncer. Para avaliar o impacto desses hidrocarbonetos na saúde humana, cientistas propõem, cada vez mais, a utilização dos biomarcadores – quaisquer substâncias, estruturas ou processos que podem ser medidos no organismo (por exemplo, em amostras de tecidos do corpo, sangue ou urina) e influenciam ou predizem a incidência de um efeito nocivo ou doença. Os mais recentes estudos sobre esse uso dos biomarcadores foram analisados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Reunidos em um artigo recém-publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, periódico da Fiocruz, os resultados dessa análise revelam que o Brasil ainda precisa avançar bastante para viabilizar a aplicação dos biomarcadores, embora estes sejam bastante promissores.
Pesquisadores propõem uso de biomarcadores para rastrear os efeitos nocivos dos poluentes ambientais no organismo humano (Foto: IB/USP)
Pesquisadores propõem uso de biomarcadores para rastrear os efeitos nocivos dos poluentes ambientais no organismo humano (Foto: IB/USP)
Assinado pelos pesquisadores Sérgio Silveira Franco, Adelaide Cássia Nardocci e Wanda Maria Risso Günther, da Faculdade de Saúde Pública da USP, o artigo de revisão tem como objetivos apresentar o estado da arte dos estudos sobre biomarcadores para HPAs e contribuir para o uso desses biomarcadores na avaliação de riscos ambientais. Existem mais de 100 HPAs, geralmente encontrados no meio ambiente sob a forma de misturas complexas. A Agência Americana de Proteção Ambiental classifica 16 desses hidrocarbonetos como poluentes prioritários para investigação ambiental.
A preocupação com esses e outros agentes tóxicos encontrados no ambiente se deve ao fato de que seus efeitos prejudiciais à saúde humana são cada vez maiores. De acordo com a Associação Americana de Câncer, apenas de 5% a 10% de todos os cânceres podem ser atribuídos a fatores endógenos, ou seja, a grande maioria dos casos é causada por fatores ambientais. E as crianças estão entre as mais afetadas pelos poluentes ambientais, conformem demonstram estudos segundo os quais elas são mais suscetíveis às substancias tóxicas do que os adultos. Pesquisas recentes também têm mostrado que biomarcadores de danos genéticos são capazes de detectar precocemente efeitos biológicos em crianças e recém-nascidos expostos à fumaça do cigarro e à poluição do ar, sendo que esses efeitos aumentam quanto maior a exposição.
“Esses estudos demonstram a necessidade de redirecionar o foco da regulação ambiental no sentido de priorizar não só o controle de qualidade ambiental, mas também a efetiva avaliação da exposição humana a contaminantes”, dizem os autores no artigo. “Nesse contexto, estudos sobre biomarcadores ganham relevância na medida em que eles permitem, além de avaliar a exposição, predizer os efeitos e o risco à saúde humana”.
Há diferentes possibilidades de biomarcadores para HPAs. Como esses hidrocarbonetos não são solúveis em meios aquosos, é difícil detectá-los diretamente no sangue ou na urina. No organismo, os HPAs participam de reações químicas e são transformados em outras substâncias, estas sim solúveis e detectáveis nos fluidos corporais, como o composto 1-hidroxipireno encontrado na urina.
Embora não sejam solúveis em meios aquosos, os HPAs têm afinidade por meios gordurosos ou lipídicos. Portanto, eles atravessam com certa facilidade as membranas celulares, constituídas, basicamente, por moléculas de lipídios. Já dentro das células, os HPAs podem se unir ao DNA e os agregados HPA-DNA resultantes funcionam como biomarcadores. De fato, a existência de tecidos contendo muitas células repletas de agregados HPA-DNA pode significar risco maior de câncer. Outras alterações no material genético das células podem ser medidas e usadas como biomarcadores da exposição aos HPAs e do risco para câncer. Essas alterações – chamadas alterações citogenéticas – incluem aberrações nos cromossomos e formação de micronúcleos. Contudo, a coleta e a análise de células e tecidos tende a ser uma tarefa complicada.
Além disso, é preciso levar em conta as variações genéticas que existem entre as populações e também entre os indivíduos de uma mesma população. Imagine, por exemplo, uma enzima que degrada um HPA e, portanto, protege o organismo contra os efeitos tóxicos desse hidrocarboneto. As informações necessárias à produção dessa enzima se encontram em um determinado gene, que, por alguma razão, pode ser mais ativo num grupo populacional do que em outro. Assim, no grupo onde esse gene é menos ativo, haverá menos enzimas trabalhando e, conseqüentemente, maior susceptibilidade aos efeitos tóxicos do HPA. Logo, as variações genéticas entre populações e indivíduos podem servir como biomarcadores da maior ou menor vulnerabilidade aos poluentes ambientais.
“As vantagens esperadas já para os próximos anos com o uso de biomarcadores incluem maior confiança para avaliar a exposição e detectar precocemente os danos em populações expostas, ainda que os agentes genotóxicos estejam em níveis reduzidos ou em misturas complexas”, afirmam os pesquisadores no artigo. De acordo com os autores, os estudos nessa área serão facilitados pela redução nos custos de técnicas moleculares e pelo maior uso de automação.
Fonte: Agência Fiocruz