O filme Cisne negro causou frisson. Levou os prêmios de melhor filme, diretor e atriz, já previstos, mas merecidos. Explorando o tema do universo cruel da competição entre bailarinas e da frágil condição humana, aborda a avassaladora ambição de uma insegura bailarina que se lança para alcançar seu sonho, ao preço da perda dos limites entre o real e o imaginário. A doce Nina é instigada pelo experiente coreógrafo a buscar dentro de si seu lado mau, do contrário, não estaria apta a interpretar o cisne negro. O filme, literariamente falando, poderia ser classificado dentro do gênero fantástico tanto pela hesitação da própria personagem entre a realidade e a fantasia como do próprio espectador provado duramente até o final.
A questão de um “duplo” de si mesmo já foi explorada inúmeras vezes pela literatura e artes em geral, pois cada pessoa traz dentro de si “um demônio que ruge e um Deus que chora”, já dizia em versos Olavo Bilac. Normalmente, os trazemos (Deus e demônio) numa cálida harmonia, equilibrando nossos sentimentos numa luta interminável e vale lembrar que a natureza humana pende muito mais para o mal do que para o bem, o que exige maior esforço do homem para conviver pacificamente consigo mesmo e com o outro. Justamente o outro é nossa fonte de agonia, segundo Sartre, o homem não se conhece em sua totalidade se não pelos olhos de outras pessoas, só a convivência permite ao homem fazer as escolhas que deseja. Portanto o outro nos atormenta, mas sem o outro, não nos constituímos.
O filme fez lembrar o conto de Edgar Allan Poe, “William Wilson”, em que o escritor apresenta a história de um personagem atormentado por uma espécie de sósia que surge em momentos inesperados sempre o admoestando para o bem, pois ele próprio revela ter sido sempre um sujeito mau. De forma oposta, Nina, a protagonista do filme “Cisne negro”, luta para trazer à tona a outra de si, porém a malvada, a sensual e maliciosa, como pedia o papel do cisne mau. A bailarina, que já mostrava traços de instabilidade emocional, se angustia nessa luta, debatendo-se em conflitos até o fim. No conto de Poe, o personagem é perseguido insistementente pelo seu estranho duplo que ora se rivaliza com ele, ora assume ares de proteção e ainda denuncia suas trapaças até que tudo culmina com um duelo entre os dois, pois já não podem mais conviver. O ódio do personagem de Poe pelo seu duplo o conduz à morte inevitável, pois não há lugar para dois.
O filme é bom, faz refletir sobre a difícil e insana competitividade do mundo atual e sobretudo, sobre a questão da dualidade, tema universal. Vendo o filme, foi possível trazer à lembrança o conto de Poe, como se um estranho espelho os refletisse. Aliás, como os espelhos são explorados no filme, objetos cheios de mistérios e lendas, com ligações com o duplo, segundo a psicanálise.
Vale a pena assistir. De acordo com minha amiga, incorrigível cinéfila, o filme é bom. Aterrorizante, mas muito bom.