A 3ª Conferência Estadual dos Direitos Humanos aprovou, nesta sexta-feira (12/9/08), 140 propostas que serão encaminhadas para a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, a se realizar em Brasília entre os dias 15 e 18 de dezembro. O documento é resultado do trabalho dos sete grupos de avaliação que analisaram 330 pré-propostas iniciais e outras que surgiram durante o evento. A conferência teve a participação de 450 pessoas, sendo 263 votantes na plenária final. Entre as propostas aprovadas destacam-se: as que estendem direitos aos povos indígenas e quilombolas; as políticas contra a violência doméstica contra mulheres, crianças e idosos; a ampliação de direitos de comunidades vulnerabilizadas; a ampliação de Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (Apacs); e a criação de uma Comissão Nacional de Verdade e Justiça. À tarde serão eleitos os delegados que representarão o Estado na conferência nacional.
O momento de maior mobilização entre os participantes ficou por conta de três propostas: a de descriminalização do aborto, proposta que acabou sendo retirada com o voto de 124 participantes, enquanto outros 64 votaram por sua manutenção, gerando manifestações de parte a parte. Também acabou retirada do texto a proposta de criação de uma Superintendência Regional de Segurança Pública em Direitos Humanos, pelo entendimento dos participantes de que tal órgão não teria uma caracterização específica.
Já a proposta que exige a abertura dos arquivos policiais do período da ditadura, que compõe o eixo de discussão “Direito à memória e verdade”, foi aprovada por unanimidade. Esse eixo foi sugerido pelos participantes da conferência estadual e acrescentado aos outros seis eixos de discussão da conferência nacional, por determinação do ministro Paulo de Tarso Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, na abertura do encontro na quinta-feira (11).
Essa proposta solicita também a adoção de nova legislação que garanta a publicização das informações de documentos de interesses da cidadania sob a guarda do Estado. Nesse sentido, foi solicitada a abertura dos arquivos das polícias, das Forças Armadas e do poder público do período da ditadura militar. Durante a votação das propostas, a superintendente de Integração de Política de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Márcia Martini, lembrou que esse eixo de discussão foi uma inovação trazida por Minas Gerais e foi acatada nacionalmente.
Propostas contemplam os eixos da Conferência Nacional
As propostas referem-se a sete temas: “Universalizar direitos em um contexto de desigualdades” (Grupo 1); “Violência, segurança pública e acesso à justiça” (Grupo 2); Pacto federativo, responsabilidade dos três Poderes, do Ministério Público e da Defensoria Pública (Grupo 3); “Educação e cultura em direitos humanos” (Grupo 4); “Interação democrática entre o Estado e a sociedade civil” (Grupo 5); “Desenvolvimento e direitos humanos” (Grupo 6); e “Direito à verdade e à memória” (Grupo 7).
Os coordenadores de cada grupo fizeram a leitura das propostas para votação e enfatizaram a necessidade de parceria entre os três Poderes, o Ministério Público e a sociedade civil para que as discussões da conferência se concretizem na prática. Eles também destacaram o esforço dos participantes e técnicos para se chegar ao número ideal de propostas, diante do grande número de sugestões apresentadas durante a conferência.
Entre as propostas, destacam-se: a ampliação das políticas públicas de saúde mental em substituição ao modelo “hospitalocêntrico”, com funcionamento por 24 horas, todos os dias da semana, nas diversas regiões; a implementação e efetivação de política pública municipal, estadual e federal que respeite os saberes tradicionais, inserindo as parteiras, rezadeiras e benzedeiras como agentes de saúde, desde que seja respeitada a diversidade religiosa. Também há a proposta de criação da Coordenadoria da Cidadania de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), instância de estudo, análise, proposição, implementação e acompanhamento das políticas públicas transversais voltadas para essas pessoas.
Outra proposta aprovada prevê a criação de uma Ouvidoria dos Direitos da Juventude para acolher, acompanhar e atender denúncias de violação dos direitos da juventude e demandas de políticas públicas nessa área. A criação de programas de orientação e qualificação para profissionais do sexo com o objetivo de inseri-los no mercado de trabalho formal e a proposição de ações educativas para a desconstrução de estereótipos também foi aprovada. Também foi aprovada a proposta de criação do Centro de Apoio aos Refugiados Políticos e Imigrantes, no âmbito do Estado, junto à Subsecretaria de Direitos Humanos, conforme a Lei Federal 9.474, de 1997.
Acesso à Justiça – Sobre o eixo de violência, segurança pública e acesso à justiça, foram aprovadas propostas pela efetivação das normas já existentes. As propostas tratam da efetivação do controle social por meio dos conselhos de direitos humanos; fortalecimento da Defensoria Pública; aperfeiçoamento do sistema prisional; organização judiciária mais célere para o público mais vulnerável; divulgação das políticas públicas voltadas para os direitos humanos; capacitação dos servidores de segurança pública voltada para os direitos humanos; aprimoramento das ações sócio-educativas e proteção de grupos específicos, como negros, mulheres e população de rua.
Também foi aprovada a proposta de adoção de critérios objetivos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) para concessão e revisão de benefícios previdenciários e assistenciais; e a criação de mutirões, pelo Poder Judiciário, para agilizar os julgamentos pendentes, priorizando-se os processos de execução penal.
Outros temas incluídos como direitos humanos
Na área de educação e cultura, foram aprovadas as seguintes propostas: inserção, nos cursos universitários, de estudos sobre direitos humanos, em seus recortes de gênero, raça, geração, orientação sexual, identidade de gênero, povos indígenas e comunidades tradicionais; ampliação da discussão sobre a formação do Comitê Mineiro de Educação em Direitos Humanos, com abrangência para todas as regiões de Minas; e a garantia de atendimento imediato, em instituições de educação infantil regularizadas, às crianças de até 5 anos e 8 meses, em especial àquelas cujos pais vivam no limiar da pobreza e abaixo dela.
Os participantes também sugeriram que a Constituição Federal fosse alterada para que a radiodifusão comunitária possa ser regulada por meio de decreto federal, estadual ou municipal. Outra proposta diz respeito à criação de um fórum permanente inter-religioso contra a intolerância religiosa, com a participação do Estado e da sociedade civil. O desenvolvimento de uma política de prevenção e mediação de conflitos urbanos por meio do mapeamento e identificação de tipologias de casos de conflitos fundiários urbanos e do estabelecimento de programas de regularização fundiária e habitação de interesse social foi outra proposta agregada.
A Conferência Estadual aprovou ainda propostas voltadas para o meio rural, como a de estruturação de sistemas de desenvolvimento econômico-social para a população rural, especificamente agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais, priorizando a inclusão de grupos sociais em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar; e a implantação de projetos ecologicamente sustentáveis.
Verdade e Justiça – Os participantes aprovaram a proposta que trata da luta pela construção e criação, com participação da sociedade civil organizada, de uma Comissão Nacional de Verdade e Justiça. Essa comissão deverá ter como objetivo o esclarecimento e a responsabilização dos crimes da ditadura. E ainda: a criação em Juiz de Fora, Ipatinga e em outros municípios do Instituto da Verdade e Memória, que deverá ter um banco de dados com informações acessíveis a interessados e pesquisadores.
Outra proposta de destaque trata da abertura imediata dos arquivos sobre as ações de tortura e extermínio praticadas pela polícia contra os povos indígenas na Fazenda Guarani, em Carmésia, e demais massacres de nações indígenas acontecidos em Minas Gerais.
Moções – Os participantes da conferência aprovaram 28 moções, entre elas duas de repúdio à não-adesão, pelo Governo de Minas, ao Plano de Ações Integradas para o Combate à Tortura. Segundo o texto de uma das moções, o Executivo iria subscrever o termo de adesão com a Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal na última quinta-feira (11), em solenidade no Palácio da Liberdade, mas “recuou sob a influência do secretário de Defesa Social, Maurício Campos”. O Ministério Público, o Tribunal de Justiça, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Defensoria Pública e o Movimento Nacional dos Direitos Humanos já haviam confirmado a adesão, de acordo com a moção aprovada.
Sobre esse assunto, o coordenador da plenária final, deputado João Leite (PSDB), informou que 14 estados já se manifestaram, mas que ainda há prazo para fazê-lo. De acordo com ele, também não assinaram a adesão os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.
Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Justiça de Direitos Humanos (CAO-DH), promotor Rodrigo Filgueira, o argumento do Executivo é “puramente postergatório”. Segundo ele, a Secretaria de Defesa Social não aceita, na verdade, que o Instituto Médico Legal (IML) seja independente da Polícia Civil e que o Ministério Público investigue casos de tortura praticados por agentes de Estado.
Outras moções tratam dos seguintes assuntos: apoio à Defensoria Pública; apoio à discussão da dívida pública como tema da próxima conferência; repúdio à redução da idade penal; revogação do Procedimento Operacional Padrão (POP) e sua discussão com ampla participação popular; apoio à atitude dos ministros da Justiça e de Estado da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que defenderam a abertura dos arquivos da ditadura militar, com o objetivo de punir torturadores que praticaram crimes contra a humanidade e os direitos humanos no período do regime militar, entre 1964 e 1985.
Os participantes também aprovaram moção pelo pagamento imediato das indenizações às vítimas de tortura praticada por agentes do Estado, cujos processos foram aprovados pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh) há mais de um ano. Segundo essa moção, lei estadual definiu o prazo de 30 dias para que se efetuasse o pagamento. O texto também cobra que o Estado abra novo prazo para o envio de requerimentos de indenização, tendo em vista que muitas vítimas perderam o prazo por não terem tido acesso às informações.
A superintendente de Integração de Política de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimetno Social (Sedese), Márcia Martini, informou que a secretaria assumiu o compromisso formal de pagar as indenizações assim que os processos voltarem do Conedh com o resultado das auditorias.
Fonte: ALMG