Em 1808, as embarcações trouxeram o fio de ouro para deleite da família real, difundindo seu uso entre a elite, mas na segunda metade do século XIX, quando o país comecou a apresentar uma pequena produção, as oliveiras foram cortadas por ordem real, para que não houvesse concorrência com o produto da Metrópole.
A olivicultura desde então nunca teve o impulso merecido e os importadores e negociantes portugueses fizeram os brasileiros acreditarem que nossos solos nunca seriam próprios para o cultivo e por um longo período desprezamos essa rica cultura.
Foi apenas após a Segunda Guerra Mundial, com a nova leva de imigrantes ao Brasil, que as primeiras oliveiras surgiram como cultivos comerciais.
Entre as décadas de 50 e 60, verifica-se o desenvolvimento da cultura em várias regiões do Brasil: São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo e até mesmo no Nordeste. Com evidente desigualdade de produção, algumas foram “bem sucedidas”, outras nem tanto.
As plantações mais relevantes neste período, segundo dados do Instituto Agronômico de Campinas, foram no Rio Grande do Sul, onde havia mais de 800.000 árvores importadas da Argentina e distribuidas entre os municípios de Pelotas, Uruguaiana, Arroio Grande e Jacuí; em São Paulo o cultivo se difundiu principalmente nos municípios de Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí, Poá, Guaianases, São Roque, São José dos Campos, Campinas, Limeira, Mogi das Cruzes; em Minas Gerais, Sapucaí Mirim, Guaxupe, Caldas, Poços de Caldas, Virgínia, Três Corações, Maria da Fé, Viçosa, Ouro Preto, Caxambu, Diamantina, entre outras cidades. Há documentos do Ministério da Agricultura que registram a importação de 2 milhões de mudas de Portugal para o antigo Departamento de Obras Contra as Secas que as enviou para as bacias de irrigação da zona semi árida na região Nordeste.
Por falta de interesse político e comercial, além da total ausência de técnicos especializados, esses cultivos desapareceram com o passar dos anos.
Na década de 80, a EPAMIG, renomada instituição de pesquisa agrícola do governo de Minas Gerais, reiniciou os estudos fazendo coletas de material vegetativo das oliveiras plantadas em várias localidades da região, formando uma coleção de variedades. Em 2008, a EPAMIG registrou 33 novos cultivares da oliveira no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), fazendo de Minas Gerais uma referência nacional no estudo dessa planta.
Hoje, com a identificação das características de solos e climas regionais, importantes fatores para definir as regiões aptas ao cultivo no Brasil, realizam-se plantios comerciais nas Regiões Sul e Sudeste do país, especialmente em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, predominando as variedades Arbequina (50%), Grappolo, Arbosana, Koroneiki, Ascolano e a variedade Maria da Fé, em um total de 505 ha de área cultivada. São Paulo não poderia ficar de fora e no ano de 2009, em função de inúmeras consultas recebidas de novos olivicultores e investidores no setor, foi formada uma equipe de pesquisadores de diversos centros da APTA-Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, orgão de pesquisa da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado. Esta equipe elaborou um projeto denominado Oliva SP para estudo de todas as etapas da cadeia produtiva da cultura, envolvendo pesquisadores de instituições italianas.
O ano de 2011 foi marcado pela primeira comercialização nos mercados do Sudeste de um extra virgem 100% brasileiro com considerável nível de qualidade, produzido em Cachoeiras do Sul, no estado do Rio Grande do Sul.
Uma vez exposto esse resumido panorama e histórico da produção em nosso país, é necessário reiterar o quanto a influência das transformações em curso nas principais regiões produtoras do mundo, capiteneadas por Portugal, Espanha e Itália, estão se refletindo no consumo e pesquisas agrícolas no Brasil (vide artigo escrito em 11.01.2013).
Renomados profissionais desses países empreendem atualmente grandes esforços para reeducar todos os que participam da cadeia produtiva, da terra ao consumidor final, divulgando a relação entre a escolha da variedade (cultivar), solo, manejo, tempo de colheita, novas tecnologias, metodologia de cultivo, extração, conservação e o quanto esse somatório de variáveis influencia na qualidade final, classificação e complexidade do produto.
Na esteira desse movimento, o Brasil testemunha e protagoniza, há pouco mais de dez anos, profundas mudanças que se refletem em suas prateleiras e regiões produtoras.
Na memória sensorial das gerações passadas e da atual, pelo mais absoluto desconhecimento, moram os aromas e sabores de azeites rançosos, fermentados, que “adocicam” com o tempo, pois oxidam. Não sabíamos, nós e o mundo, que a qualidade estava no frescor, no seu frutado, amargor e picância, atributos positivos identificados sensorialmente.
Cartas de Azeite, cursos profissionalizantes, seções de degustações, sites, blogs, feiras promocionais (a Expoazeites realizará sua 7a edição), concursos, encontro de olivicultores, todos esses eventos estão crescendo, surgem na mesma proporção do interesse pelo ingrediente e são as principais ferramentas dessa grande mudança.
Azeites de combate, industriais, extra virgens ou de oliva, cumprem seu papel popularizando o consumo e já possuem uma posição consolidada no mercado. Extra Virgens premium, gourmets, que se diferenciam na complexidade de aromas e sabores, pois são extraídos seguindo rígidos parâmetros em toda a cadeia produtiva precisam ser conhecidos pelos consumidores que apreciam a excelência e as sutilezas que estes acrescentam às preparações culinárias. Seus custos são mais elevados, obviamente e como possuem a mesma classificação, se igualando na denominação de EXTRA VIRGEM, são ainda injustamente “renegados”, pois tradicionalmente usamos o preço como parâmetro de compra e ainda consideramos R$ 30,00 por 500 ml desse precioso líquido, caro.
Como ecochef Maniva, educador e apaixonado pelo assunto tenho como meu principal objetivo profissional, mantendo-me isento comercialmente, transmitir ao maior número de pessoas possível os atributos sensoriais que caracterizam o bom, a qualidade. Dessa forma, o consumidor criará um discernimento próprio e com seu poder de escolha, consolidará um bom caminho dos azeites no Brasil. Creiam, caros leitores, as harmonizações desse alimento dos Deuses com as preparações da nossa rica culinária podem nos contar histórias, recitar poesias e elevar nossa alma aos céus.
No místico dia de Iemanjá, quando amanhecemos com os jornais evidenciando a profundidade da crise ética e moral na qual estamos mergulhados, com as casas culturais fechadas pós tragédia no sul do país e a ascenção de Renan Calheiros a presidência do Senado, é uma dádiva escrever esse artigo e perceber que a vida é tão rica e vasta quanto os aromas e sabores que podemos sentir. Estou cada vez mais convencido de que este mundo de extremo individualismo, que não compreende a interdependência entre todos, será redimido pelo resgate das percepções sensoriais, por uma nova relação com o alimento que produzimos, onde o verdadeiro extra virgem terá papel de destaque e mais uma vez justificará as causas de seu significado mitológico.
Webgrafia: http://www.infobibos.com
Bibliografia: GOMES, P. A OLIVICULTURA NO BRASIL – MELHORAMENTOS
OLIVEIRA, A.F. OLIVEIRA NO BRASIL, TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO – EPAMIG