– Gente, olha só, vou oferecer este livrinho pra vocês, viu que legal? Vai ficar assim: “Para Bia e Leo”.
O Leo pareceu pensar por uma fração de segundo. Muito sério, olhou assim pra mim com aqueles olhos lindos e profundos, e com ares de quem vai comunicar algo inegociável, disse:
– É que eu gosto do meu nome na frente de tudo.
Acostumada com seu jeito franco de ser e de dizer, resignei-me a acatar seu pensamento moderno-livre, tentando imaginar como eu poderia resolver a questão.
– Leo, os dois nomes vão ficar juntos, na mesma linha.
– Mas o meu vem na frente! Assim, o adorável menino decretou, peremptoriamente, sem medo de ser como é.
– Tá, vamos ver como que fica, né? Você sabe que a Bia é mais velha que você, não sabe?
– Tia Misa, eu gosto do meu nome na frente de tudo. (Percebi que o “Tia Misa” veio carregado de certa irritação).
Replicou o menino taxativo, ignorando completamente o que eu disse sobre a irmã ser mais velha do que ele. Pelo visto, o garoto não estava a fim de ceder nem um milímetro que fosse.
Evidentemente que este diálogo se passou em termos civilizados porque a Bia não estava presente, já se estivesse o caos estaria irremediavelmente instaurado.
– Hum, vamos ver, vou ver o que posso fazer.
– Tia Misa, eu gosto do meu nome na frente. E pronto.
Achei graça do seu jeito decidido, sem medo de dizer o que pensa e o que quer. Lembrei-me da educação rigorosa dos tempos antigos em que a criança não tinha voz, nem vez. É claro que os temperamentos são diferentes em qualquer época, desde sempre. Minha mãe, ela própria, dizia que não se podia bater em filho de forma igual (a gente apanhava e muito!) porque há os que são “muito sentidos e ficam lembrando a todo instante que batemos neles”, palavras dela. Enfim, ela reconhecia que os filhos, assim como os dedos da mão, são diferentes. Porém, mesmo sendo crianças com firme vontade própria, naquela época, de maneira geral, imperava a vontade dos pais e afins.
Minha mãe contava que certa vez foi a Aparecida do Norte com minha avó e levou minha irmã mais velha, eu ainda era muito nova pra ir. E lá, diante daquelas lojinhas do centro antigo, mostrou para minha irmã uma variedade de bonecas e disse para ela escolher uma que fosse do seu gosto. Minha irmã, sempre silenciosa, olhou, olhou e, para surpresa de minha mãe, disse:
– Não precisa.
– Mas eu quero te dar uma bonequinha. Escolhe.
– Não precisa não, mamãe.
Minha mãe, decerto um tanto impaciente, comprou e colocou a boneca nos braços de minha irmã. É claro que precisar, não precisava, mas é que minha irmã era uma garotinha muito tímida e boazinha, muito bem ensinada a não ficar amolando e pedindo por coisas para quem quer que fosse. Afinal, ela estava mostrando a educação recebida e acatada. Mais tarde, foram fazer um lanche, e minha mãe perguntou:
– Quer pastel com guaraná?
E minha irmã:
– Não precisa não, mamãe, complementando com a cabeça que não.
E eu, enquanto reflito sobre essas questões de educação em tempos antigos e modernos, vou tentando aqui desenhar um “L” (Leo) e um “B” (Bia), trançados de tal modo que dois nomes fiquem exatamente no mesmo ponto de partida. Tudo por conta de meu coração mole de tia-avó.