Mas essa questão não é simples, na verdade é muito mais complexa do que imaginamos porque definir crueldade varia de pessoa para pessoa. Há os que consideram o abate de gado para a produção de carne tão cruel quanto maltratar um cão ou mesmo fazer experimentos científicos que envolvem bichos. Afinal, não seria hipocrisia combater os maus tratos para com os animais e se fartar com um bife suculento na refeição? Pois é. O que os olhos não veem o coração não sente. Sempre me lembro do comentário de meu marido que absorto, refletia enquanto esperávamos na fila do açougue: “pode chegar o dia em que malvados alienígenas governem nosso planeta e então serão nossas pernas e cabeças que poderão estar dependuradas nos seus açougues”. Nunca mais comi um bife com o sabor de antigamente.
E se fôssemos nós os caçados, nós os humilhados? Nós, os explorados e abatidos? Lembrei-me do filme “O planeta dos macacos” que me impressionou muito na época e me fez refletir sobre o inverso da situação A literatura nos dá outros exemplos fantásticos. O livro “A revolução dos bichos” (1945), de George Orwell, um libertário com total aversão a toda espécie de autoritarismo, figura entre os cem melhores da língua inglesa. Embora o objetivo do autor fosse fazer uma sátira à União Soviética comunista, o livro todo conta as peripécias dos animais de uma fazenda, que incentivados por um velho porco, se rebelam e “tomam o poder”, concretizando o sonho de serem governados por eles mesmos. Estabelecem daí por diante sete mandamentos dos animais, entre eles, considerar “qualquer coisa que ande sobre duas patas um inimigo e qualquer coisa que ande sobre quatro patas, ou tenha asas, um amigo”. Mas a empreitada não tem sucesso porque de tanto conviver com os homens eles aprendem a criar uma sociedade tão injusta quanto a dos humanos.
E eu não poderia deixar de citar o memorável conto de Clarice Lispector, “Uma galinha”. A família decide matar a galinha para o almoço do dia. A pobre ave que talvez trouxesse um anseio de liberdade no peito, alça um voo curto e consegue fugir, pulando pelos telhados. O dono da casa, impulsionado pelo seu anseio de conquista, galgando um muro aqui e outro ali, logrou trazer a galinha de volta. “Sozinha no mundo, sem pai nem mãe”, rodeada por gente estranha, a galinha sofre, se aninha no meio da cozinha e põe um ovo, decerto prematuro pelo susto. A menina da casa exclama: “Mamãe, mamãe, não mate a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem”. Todos são tocados pelo acontecido, intuem algo de sobrenatural e decidem pela vida da galinha, que daquele dia em diante passa a ser a rainha da casa. Até que um dia ela não escapa, pois finalmente decidem transformá-la em refeição.
O dicionário nos diz que animal é “um ser vivo organizado e dotado de sensibilidade”. Os animais são sensíveis e sofrem. Em determinado momento do conto, Clarice Lispector diz: “Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser”. Assim também são os cavalos, os bois, os touros, os cães, os gatos, os elefantes e todos os outros animais que merecem nossos cuidados, nosso carinho e nosso respeito.