Estava internada na Unidade de Cuidados Paliativos de um grande hospital público em São Paulo onde eu trabalhava.
Morria lentamente como consequência apenas da velhice. Não tinha nenhum câncer, nenhuma insuficiência cardíaca ou qualquer outra doença crônica que pudesse tê-la levado para uma Unidade de CP.
Estava num hospital não porque estivesse doente, mas apenas porque ia morrer. No Brasil ninguém é ajudado a morrer em casa, no meio da família e dos amigos, vendo a vida terminar em meio às paredes familiares da sua própria casa.
Ficava com ela todo o tempo uma bisneta já moça, suave e delicada, atenta aos menores gestos ou desejos da bisavó.
D. Candinha tratava a todos que se aproximavam dela com muita ternura, quando estava consciente.
Muitas vezes ela me disse: “Vem cá, doutora, prum cafuné. Carinha mais triste, essa!” Puxava a minha cabeça para o seu peito mirrado e aquelas mãos finas e magras tiravam a dor como mágica!
Quando ela delirava, e o delírio ia ficando mais frequente à medida que ela morria, via muitas visitas no quarto: a mãe, o pai, o marido, os filhos que já perdera…. Confundia muitas vezes vivos e mortos, e conversava com todos ao mesmo tempo. Algumas vezes ela me apresentou o marido e, quando tinha forças fazia uma brincadeira: “Não se apaixone por ele, hem, doutora? Eu sou uma fera!”
Recebia todas as visitas com pão de queijo, como boa mineira que era. No princípio o pão de queijo era imaginário como os parentes mortos, e era a bisneta que era mandada a um fogão imaginário pra fazer o café e os pães. Depois a enfermagem começou a trazer diariamente os pãezinhos congelados e, por volta das 15h a enfermaria tinha um cheiro delicioso de pão de queijo assado.
D. Candinha às vezes podia comer, mas dizia sempre que os da bisneta eram mais gostosos.
Todos os pacientes que podiam sair do leito, os acompanhantes e nós, a equipe, comíamos no seu quarto.
Assim, quando ela enfim morreu, tinha muita gente viva à sua volta, assim como os seus mortos queridos.