Analisando-se os casos que diariamente se observam a respeito da dificuldade que muitos têm para expor com clareza seu pensamento, comprova-se-á que se trata de um fato muito comum, já que engloba a grande maioria das pessoas.
Não tivemos oportunidade de percorrer as páginas dos tantos livros escritos sobre o homem, em sua enorme variedade de aspectos psicológicos; disso resulta não termos notícia alguma de que se haja tratado deste ponto anteriormente. Sabendo que algo já tivesse sido escrito a respeito, nós o criticamos com o maior gosto.
Voltando à indagação que motiva estas considerações, começaremos por dizer que, com efeito, existe uma grande porcentagem de seres que apresentam essa anomalia psicológica, à qual, a julgar pela indiferença científica, parece que não se dá importância. Apesar disso, essa importância existe porque toda pessoa que carece de rapidez mental e não pode, além disso expor seus pensamentos com clareza, dificilmente avança no caminho da vida, desta vida em que tão necessário é manter ágil o entendimento nas inúmeras circunstâncias que amiúde devem ser enfrentadas. Tratando-se da vida dos negócios, bem sabemos quão indispensável é uma mente desperta e uma palavra fácil para encarar as mil situações que não admitem lentidão nem no pensamento, nem na palavra, nem na ação. O mesmo acontece em todas as outras ordens da vida: um candidato, por exemplo, que vai em busca de um emprego, tem, se não sabe expor seu pensamento com clareza e rapidez, uns noventa e nove por cento de probabilidade a menos se comparado a quem sabe fazê-lo melhor; nas tarefas de governo e enfim, onde quer que o homem ou a mulher devam desempenhar funções de alguma importância, é igualmente imprescindível possuir essa facilidade na exposição do pensamento para ser credor de consideração no que tange às aptidões.
O mau resultado de muitas das gestões realizadas para melhorar posições deve ser atribuído, ainda que nem todos se dêem conta disso, à deficiência psicológica apontada. De que ou de onde provém tal deficiência ou anomalia? Vejamos: é costume generalizado do pais cortar a atitude espontânea dos filhos quando estes, seja na alegria, seja na dor, querem expor o que pensam ou sentem. Em geral, se faz a criança imperativamente, admoestando ou não admitindo que ela diga o que de antemão já se sabe que via dizer; pior ainda se é para desculpar-se de alguma falta cometida. Isso cria um complexo de inferioridade, quer dizer, apodera-se da alma infantil uma espécie de timidez e temor à medida que tais passagens se repetem e os pensamentos e palavras vão ficando entrecortados, como se as peças da razão fossem travando umas às outras.
Na juventude, ainda que de forma um tanto atenuada, acontecem análogas situações que os mais ousados consegue impedir, mas não os que foram oprimidos na infância por essa contrariedade, pois é difícil para eles emanciparem-se do que constituiu, durante seus anos infantis, uma trava para a livre expressão de seu pensamento. Chega-se, pois, à idade em que mais falta faz o exercício dessa faculdade, e o ser se encontra coibido e incapacitado para dispor do livre manejo de suas idéias e comunicá-las com a mesma desenvoltura com que as concebe.
Nas escolas primárias, quando se chama a criança para falar sobre qualquer tema diante de seus companheiros, é frequente observar o temor e a vergonha que experimenta ante a perspectiva de ter que se expressar em público. Preferiria qualquer coisa, inclusive uma punição, a expor-se, segundo crê, ao ridículo na frente dos demais. Isso ocorre preciosamente porque ela já traz dentro de si a inibição que mais tarde, na plenitude de sua vida, lhe amordaça a língua e lhe detém o pensamento e até mesmo a impede de expressar suas idéias por escrito.
É tal o hábito que esta deficiência impõe ao ser que, em muitos casos, já homem, fala com se não precisasse completar suas frases, na crença, sem dúvida, de que quem o escuta captou de antemão o que ele queria expressar. Procura fazer com que os demais entendam por antecipação o pensamento que resiste a ser pronunciado.
Daí que surjam tatos mal-entendidos com seus semelhante, tantas contradições sem que, na maior parte das vezes, possa explicar para si mesmo a que obedecem.
Buscar forma de eliminar do ser humano essa anomalia psicológica, reeducando seu caráter até alcançar uma total emancipação da timidez que o oprime, é aplainar o caminho a todos os que sofrem as consequências de causas que, alheias ao bom sentir do coração, foram sendo repetidas de geração em geração, sem que se conseguisse descobrir em que consistia esse mal que tantos desassossegos e desditas sempre causou ao indivíduo.