Pisando no mesmo terreno da crônica “Coisas de homens e coisas de mulheres”, sem querer puxar, mas puxando a sardinha para as mulheres, volto à carga. Talvez porque eu seja mulher e orgulhosa de ser mulher, ou talvez simplesmente porque é possível enxergar que realizar tarefas caseiras não é só coisa de mulher.
Quando éramos adolescentes, minha mãe distribuía com desigualdade as tarefas da casa. Pobre mãe, sem querer criticar o que ela fazia, mas infelizmente criticando. Era assim: para nós duas mais velhas, ficavam a arrumação da casa para minha irmã e a arrumação da cozinha para mim. É verdade que meus três irmãos que vieram depois de mim ainda eram crianças, três meninos, porém não tão crianças que não pudessem ajudar.
Eu voltava da escola com sono e faminta. Depois de almoçar a comida simples e deliciosa da mamãe eu via aquela cozinha imensa cheia de trecos sujos para serem limpos. Fazia a tarefa, obediente e bonitinha que eu era. Minha irmã arrumava a casa direitinho também, não sem reclamar com os irmãos que dormiam no mesmo quarto que mais parecia um recinto atingido por tsunami. Camas a serem feitas, todos os sapatos dos três debaixo das camas, uma zona total.
Minha irmã ficava brava e brigava com os meninos e lá vinha a mamãe para ralhar com ela e aproveitava e ralhava comigo também que não tinha feito nada. Dizia ela assim: Não cobrem isso deles. Seus irmãos são homens, não é tarefa de homem. Se não quiserem fazer, deixem que eu faço.
Mas mãe … e ela fazia ouvidos moucos.
Não compreendíamos bem porque ela “cocorava” (expressão que ela usava muito!) os meninos. Só mais tarde sacamos que ela ficava apreensiva de que eles não se tornassem homens plenos se guardassem seus sapatos e principalmente, se arrumassem suas camas. Embora minha mãe fosse além de seu tempo em muitas questões, nesta especificamente, ela era preconceituosa. Contudo, há que entender que ela era produto da cultura de sua época.
Em seu livro “Para educar crianças feministas”, a fabulosa escritora Chimamanda Ngozi Adiche enfatiza que embora muito tenha sido feito, temos ainda um longo caminho a percorrer na questão da igualdade de gênero. Uma sociedade mais justa começa na família, em casa, iniciando-se pela justa distribuição de tarefas entre pais, mães e filhos.
Na época, sentíamos que algo estava errado, algo estava injusto. Os meninos “cocorados” pela mamãe tiveram mais tarde que aprender a duras penas a limpeza e organização do lar.
Discurpa mãe! Foi mal!
Saudades da minha mãe!
Mãe é mãe.