Tudo o que eu queria era que este período passasse logo. Tomei meu banho, aprontei-me nos trinques, com camisa branca, gola alta, gargantilha bonita, prendi meus longos cabelos brancos, passei um batom cor de rosa e lá fui com meu marido, que trajava uma camiseta preta surrada e trazia no pé um par de botinas da roça. Mottaaa! Por favor, um dia como este, esta camiseta nãooo, cadê os sapatos? Como você é bobinha! Ele sempre diz isso quando implico com a roupa que ele veste. Ao chegarmos ao Colégio das Irmãs, onde estudei um bom tempo de minha vida, percebemos que a fila estava pequena, talvez umas oito pessoas na frente.
A moça gentil que organizava a fila veio feito uma bala em minha direção. Até pensei que realmente eu estava ficando famosa como escritora porque não raro tenho sido abordada na rua com a pergunta: a senhora é a Misa Ferreira, não é? Eu te conheço do Face, sou sua fã! Hummm! Mas não, a moça veio e disse: senhora, a senhora tem prioridade, pode vir para o início da fila. Mas já??? Recusei, também gentilmente, alegando que estava tudo bem, eu ficaria ali mesmo. Mas poxa, gente, assim de cara! É só bater o olho em mim para saber quantas décadas eu tenho?Não dá nem para ficar na dúvida? Tantos cuidados com a pele pra ser reconhecida como idosa em qualquer fila? E meu marido, sorrindo descaradamente sarcástico, sem qualquer pudor, cochichou ao meu ouvido: eu, quase 12 anos mais velho que você, escapei incólume ao crivo da moça. Isso não podia ficar assim. Eu disse a ela, olha aqui, meu marido é muuuuito mais velho do que eu. E ela, oh senhor, desculpe, se o senhor quiser pode passar na frente, mas rindo muito,ele se recusou, não, não, está tudo bem. Estamos brincando.
Só que a fila cresceu rapidamente. E como a previsão de que o número de idosos tende a ser infinitamente maior daqui para frente, foi chegando idoso que não acabava. A moça ficou meio perdida, não sabia qual idoso tirar da fila. O governo tem mais uma prioridade a estudar: a questão da incrível quantidade de idosos. Mas o pessoal estava todo de bom humor, um cedendo o lugar para outros, fazendo brincadeiras e tudo correu bem, pelo menos até quando saí de lá.
Aí lembrei-me de minha irmã que sempre diz que o tempo é generoso para com os homens e cruel para com as mulheres. Às vezes os homens envelhecem rapidamente e ficam até irreconhecíveis, mas na maioria das vezes a mulher é sempre mais atingida e castigada pela inexorabilidade do tempo implacável. Os homens ficam até charmosos com cabelos grisalhos, algumas ruguinhas e uma barriguinha simpática. Já as mulheres, bem, vão ter que se conformar com esta injustiça da natureza.
Só um incidente na minha vez de votar. Tirei minha colinha da bolsa e lá fui. Já acomodada na frente da tela percebi que a colinha era uma listinha antiga desupermercado! Moça, por favor, troquei os papeizinhos, vou pegar minha colinha, tá? Tá. Impossível guardar de cabeça tantos números, a não ser o número do presidente, isto é, quiçá futuro presidente.
Fora isso, tudo bem, voltamos felizes pra casa. Vamos acender o fogo, tomar uma cervejinha que o momento requer. Agora, falar sobre política, não, não vou mesmo. Além de não ser nem minimamente qualificada para tal, já cheguei num tempo de minha vida que não quero saber de me aborrecer. Só Deus!