Escrevo, gosto de escrever, é claro, mas nem sempre gosto do que escrevo. Às vezes vibro com uma crônica que acabou de sair quentinha do forno ou com um conto que achei genial. E acontece que outras vezes torço o nariz, acho medíocre, bobinho, tiro isso, ponho aquilo e não fico satisfeita. Não sou agraciada como uma grande Adélia Prado, sei que a poesia não é hóspede assídua em minha alma, só passa de quando em quando para uma visita rápida, mas quando vem, mesmo furtiva, traz presentes tão preciosos que recebo feliz, cheia de gratidão. E vou trabalhando de sol a sol, cultivando histórias, sonhos e colhendo os frutos, os fatos, os feitos, e tentando transpor tudo isso para o papel, ou para a tela em branco que me olha interrogativa como neste momento.
Já foi o tempo em que eu ia atrás de meu marido e de minha irmã, com uma crônica pronta para que lessem. Era imperioso ouvir sua opinião ou qualquer opinião que fosse, e aí o que vocês acharam? Bem, não foi uma nem duas vezes que percebi que o marido já tinha perdido fazia tempo o fio da meada da minha leitura em voz alta, sabe-se lá por quais paragens sua mente vagava, e minha irmã, depois de dias em que eu esperava ansiosa por seu parecer, era assim: como sempre, gostei! Meio que sem muito entusiasmo. Larguei mão disso. Sem mágoa nenhuma, assumi que não precisava fazer pressão em cima de minhas duas cobaias literárias, os dois, coitados. É assim mesmo, santo de casa não faz milagres e o profeta não é bem recebido em sua própria terra. Minha prima escreveu uma brilhante tese de doutorado que fez tremer os baluartes da enfermagem no Brasil e, no entanto, me segredou que nenhum de seus irmãos leu seu trabalho. É assim mesmo. Agora escrevo e pronto.
Aconteceu que há um tempo fiz uma crônica sobre “mulheres”, e enviei anonimamente para minha irmã. E minha irmã, distraída da vida, leu encantada, pensando, nossa que lindo! De quem será esta crônica? E foi se encantando, cada vez mais, já pensando em me enviar porque realmente a crônica estava muito boa, palavras dela, genial, isso, a palavra era genial. Até que chegou a certo parágrafo que falava da mãe da autora, e minha irmã foi reconhecendo nossa mãe, e pensou, só pode ser ela, mas como? Então é da Misa esta crônica? E foi até o final quando tudo se confirmou. Rimos pra valer. Talvez se eu tivesse enviado antes, ela teria dito: está bom, como sempre! Não sabemos, mas achei ótimo ter ficado anônima! Minha irmã encantou-se com a crônica sem saber que era minha! Como uma estranha escritora fantasma, consegui encantar seu coração!
Adorei! Nada como um depoimento genuíno desprovido de quaisquer laços afetivos, influências ou obrigações. E enquanto a poesia se faz de rogada às minhas súplicas, continuo trabalhando de sol a sol. Vou às fontes, consulto os mestres, leio poemas que me inspiram a fazer prosa, como Carlos Drummond de Andrade que me diz hoje para “comer queijo com goiabada, ouvir uma serenata, calçar um velho chinelo, sentar numa velha poltrona e tomar um vinho branco enquanto ouço o Bolero de Ravel.” Acho que hoje estou triste, mas deixo o mundo acontecer. É preciso escrever.
Por Misa Ferreira
Autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia, Na casa de minha avó e Ópera da Galinhinha: Mariquinha quer cantar. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.