Colocando as coisas de outra maneira poderíamos dizer que: espírito de gentileza é o perdão e o espírito de geometria é a dureza de coração. O medicamento no hospital é o espírito de geometria, e a visita de quem ora pelos doentes é o espírito de gentileza. Espírito de geometria é o professor que não considera uma possibilidade diferente na resposta do aluno, e o espírito de gentileza é o professor que resgata um aluno perdido. Espírito de gentileza é a compreensão e espírito de geometria é o julgamento. Espírito de gentileza é a compaixão e espírito de geometria é a indiferença. Espírito de gentileza é a solidariedade e o espírito de geometria é o egocentrismo. A ciência seria a geometria e a espiritualidade a gentileza.
Pascal dizia que essa contradição era necessária para a nossa vida, e que mesmo ambas as razões, a exata, calculada e a razão do coração são imprescindíveis. Elas se combateram, depois marcharam juntas, e hoje se convergem na diversidade. Não é que o espírito de geometria seja mau, ele é um lado objetivo que também faz falta, é necessário, porém a humanidade dos dias atuais nunca precisou tanto do espírito de gentileza. Hoje, mais do que nunca, urge o espírito de gentileza neste mundo caótico em que estamos inseridos. No contexto atual dos atentados na França, ouvi algumas opiniões de cientistas de relações internacionais. A maioria diz que a guerra iminente é corretíssima, que não há possibilidade de diálogo com terroristas, entretanto um dos cientistas políticos acredita na possibilidade de negociação porque senão a guerra jamais terminará, será uma bola de neve sangrenta. A possibilidade de negociação e diálogo seria o espírito de gentileza, o que nunca vai ocorrer.
Bem, para ilustrar de forma prática: no filme “O carteiro e o poeta”, tem uma cena em que o poeta, ateu convicto, entra em uma igreja para se preparar para o batizado de seu afilhado, filho do carteiro. Mesmo sendo ateu, o poeta demonstra um comovente espírito de gentileza ao se ajoelhar e se persignar em respeito ao rito que assim ensina.
Outro exemplo: conheci por acaso aqui em Itajubá, Elika Takimoto, ganhadora do Prêmio Saraiva. Convidada para o lançamento de seu livro, cheguei lá meio constrangida porque estava sozinha. A escritora veio ao meu encontro e durante todo o tempo fez-me sentir como se eu fosse a dona da festa. Percebi logo que ela era possuidora de um sensibilíssimo “esprit de finesse”.
E para finalizar, numa noite dessas atrás, ao telefonar para minha prima, já de noite, flagrei-a no caminho da casa de uma vizinha do bairro, no campo. Disse-me ela que estava levando uma cordinha mais comprida para o cãozinho doente que precisava ficar preso, pois ficara condoída ao ver que o bichinho pouco podia se movimentar pela cordinha pequena no pescoço. Uma pessoa que se presta a deixar o conforto de sua casa para dar mais alívio para um cãozinho doente é outro exemplo brilhante do espírito de gentileza.
Bom, gente, não sei se isso se aprende ou se é próprio da pessoa. Para mim é qualidade, é virtude natural. Se forçado, deixa de ser virtude, percebem? É como a humildade, quem pensa que é humilde, já não o é. Isto é um tesouro que Deus talvez conceda a quem não pede honrarias nem dinheiro, mas apenas a condição de poder chegar mais perto Dele para ser uma pessoa melhor.