Então a cobiça dos olhos é ativada. Por um mecanismo estranho você é acometido por uma amnésia temporária específica no que se refere ao seu saldo bancário, simplesmente fazendo você se esquecer de sua capacidade de pagamento. É um vírus, uma praga moderna em que a pessoa é picada, mordida e contaminada. Em seguida, você é atingido por uma onda forte de desejo e ela o enrola como naquelas socas no mar. Explico melhor – quando se é colhido e batido por uma grande onda, não conseguindo sair dela facilmente. Nesse instante você já deu o último passo, ou seja, concluiu a compra e ainda dá um beijinho no cartão de crédito. É assim. Sai de sua cadeira aos pulos de alegria, tendo apenas que esperar pelo correio que não deve demorar para trazer o objeto cobiçado. Ah, esqueci de uma coisa: o valor do frete é totalmente ignorado como mero detalhe sem importância, fazendo parte daquele mecanismo estranho de torpor. Você vê o valor, mas segue em frente. É mal dos tempos.
Bom, quando você se recupera dessa espécie de transe hipnótico, a memória duramente atingida por aquele ataque de amnésia também é recuperada, mas já é tarde. A compra já foi feita e as contas abarrotam sua fatura. É verdade que quando o objeto chega, sua alegria é grande, passando a falsa impressão de que tudo valeu a pena. É desembrulhar, vestir, olhar-se no espelho, passar o perfume ou montar o aparelho de ginástica ou ainda ligar o tablet, ipod, ipad e o que vem por aí afora. Depois de um pequeno período, a alegria passa, vem a ressaca moral e com ela a preocupação financeira. Nesse momento, a memória está de volta, lúcida, acusadora e ferina. A soma dos débitos ultrapassa a soma de créditos. Aí o sono é que vai embora, dando entrada aos maus humores.
Você se reconhece nessa situação ou nesses sintomas? Não entre em pânico. Há cura. Muita força de vontade e muito senso de humor. Acredite, a frase interrogativa funciona: eu preciso disso? Não. E disso: também não. E daquilo: não. Quando se faz essa pergunta, a gente se espanta com o fato do quanto não se precisa, praticamente 95% ou 99 e meio %.
Não vale dar desculpas, nem justificativas, como a de uma amiga que comprou óculos caríssimos. Disse-me ela, um pouco abatida porque a euforia já havia passado: é, foram caros, mas antes eu estava uma marmota! Desvie os olhos do objeto desejado, saia do PC, pegue um livro. Por falar nisso, como vai sua leitura? Há quanto tempo não lê um bom clássico, um Dostoiévski, um Graciliano Ramos? Um Tolstoi, uma Clarice Lispector? Se não tem nenhum deles, também não vá comprar, baixe no computador. E faça como o filósofo Sócrates (li num artigo de Frei Betto, acho): vá às ruas, sinta o ar puro (ou o que resta dele) e observe todos os objetos que despertam sua cobiça. Você pode encará-los, não tenha medo! Depois, levante sua cabeça com dignidade e faça o mesmo muxoxo sarcástico que Sócrates deve ter feito e diga: “como sou feliz! Não preciso de nada disso”. Essa é a definição do passeio Socrático.
Falando sério, ao mesmo tempo em que você se faz a pergunta “eu preciso disso?” pode também se perguntar do que realmente precisa. A princípio a resposta pode não ser fácil porque … não se iluda, o essencial continua sendo invisível aos olhos físicos. Longe de mim querer que todos sejam seres espirituais quando eu própria não o sou e também enquanto estivermos nessa terra, afinal não vivemos apenas do espírito, mas tem uma coisa: temos carregado bagagem demais pra tão curta viagem!
Boa pergunta e boa resposta para todos nós!