Acho que já falei isso por aqui: sou uma contadora de histórias. Não querendo ser narcisista, mas sendo porque sou, assumo que falo quase sempre de mim, ora, eu sou a história que mais conheço. Quando tenho que falar de outras pessoas, falo só o que edifica.
Se já fiz cirurgia plástica?
Sim, fiz sim senhor, pronto. Confesso que fiz, confesso que vivi. Não fiz só uma, duas para ser exata. Mas a primeira não vale porque não foi plástica para esticar nada. Eu era jovem, bonitinha, mas com um nariz adunco imenso, um nariz que veio na hora errada, no lugar errado. Como podia uma moça miúda, como eu, com rosto magro e pequeno, suportar um nariz de tucano? Fala a verdade! Eu morria de tristeza. Meu sonho era mesmo cortar um pedaço do nariz.
Bobagem? Não, não é. O primeiro mocinho que me cortejou fez um carinho em meus cabelos e depois pegou no meu nariz, dizendo: ah sua nariguda! Eu quis morrer, também quis matar o cara. Não, não e não. Eu não ficaria com um nariz daqueles. Nunca. Assim que comecei a trabalhar, ajuntei um dinheiro e fui às vias de fato. Mas não fui sozinha. Uma colega de trabalho também queria fazer plástica no nariz e assim combinamos fazer a consulta juntas, uma dando coragem para a outra. Para dizer a verdade, eu não precisava de coragem, precisava só de dinheiro, o que já estava resolvido.
Eu ainda morava na casa de minha mãe e ela não gostou nada dos meus planos. Ficou brava com minha vaidade e disse que não ficaria comigo no hospital, que eu ficaria sozinha. Primeiro, eu tinha companhia de cirurgia e de quarto. Segundo: meu desejo era tão grande de me livrar daquele nariz de tamanduá que nada havia que pudesse me fazer desistir. Terceiro: eu não queria que ela fosse, ela ia acabar ficando preocupada até que eu voltasse da cirurgia. E as cirurgias plásticas do tempo das cavernas demoravam pra caramba.
Pois bem, lá fomos nós e nos internamos na véspera. Eu fiquei no espelho do banheiro olhando meu nariz com desdém: é amanhã que me livro de você! Se dormimos ou não, não me lembro. Eu não estava preocupada, estava sim ansiosa por me ver sem o narigão. A enfermeira veio e me levou primeiro. Fui exultante como se estivesse indo receber o Oscar. A cirurgia demorou muito. E eu feliz! Me levaram de volta para o quarto e qual não foi a minha surpresa ao dar de cara com minha mãe, arrependida, que veio nos salvar. Aliás, ela chegou na hora exata para salvar minha colega que não querendo mais operar, entrou em desespero total e estava tentando pular a janela. É verdade que estávamos no primeiro andar, mas mesmo assim era muito perigoso. Ficamos tentando convencê-la, afinal, já que estava no último round, não podia desistir.
No quarto, eu não queria me deitar, queria ficar em frente do espelho namorando meu novo nariz, como se fosse possível enxergar o nariz debaixo de um calhamaço de gesso que mais parecia um capacete de astronauta! Minha mãe pedia, clamava e implorava: Maria Luiza, deita, pelo amor de Deus! Você foi operada. E eu ia pra cama, deitava cinco minutos e já me punha de pé em frente ao espelho. Vê se pode? Eu me lembro. Conclusão: o gesso ficou todo manchado de sangue. Depois de horas e horas voltou minha colega, completamente desacordada. Na posição que a colocaram, ali permaneceu por mais horas e horas. E eu da cama pro espelho, do espelho pra cama todo o tempo. Pobre mamãe!
Bom, foram quinze dias de gesso e um tampão horroroso que tapava qualquer vestígio de ar. Tivemos que suportar quinze dias só respirando pela boca, dia e noite. Mas eu estava feliz! Hoje em dia acho que o tal tampão fica apenas um dia, talvez uma hora. Acredito mesmo que fomos as pioneiras de plástica medieval de nariz aqui em Itajubá.
Passados quinze dias, fomos ao hospital para tirar o “capacete”. Quando o médico retirou o tampão eu senti algo gelado entrando em meu nariz: era o ar! Que maravilha! Já livre do gesso, mas sem nem um espelho na sala onde estávamos. Pode? Idade Média é pouco! Cuidadosamente, eu acariciei o meu nariz e só pelo tato percebi o quanto ele estava menor. Que alegria! Lembrei-me de que tinha um minúsculo espelhinho de batom dentro da bolsa, saquei apressadamente o espelhinho e olhei: magnífico! Que sensação de vitória! Minha colega não ficou contente com o dela. Mais tarde fez uma correção. Há que considerar que isso se passou em 1977. Gente, tudo era meio ou muito jurássico.
Para finalizar, a segunda plástica, essa de fato foi para esticar as rugas, foi em 1999. O cirurgião de Belo Horizonte me convenceu a fazer uns retoques no nariz, ele me disse que o modelo estava ultrapassado. Fiquei satisfeita com a cirurgia! Já mais velha, mais contida, não pude deixar de exibir um mega sorriso quando me vi no espelho.
Tudo passa! Hoje estou precisando de toques e retoques em tudo, mas, não, nana nina não. Agora, só retoques na alma que anda sempre precisada. Afinal, a alma permanecerá, é nosso castelo interior e deve estar repleta de formosura e dignidade. Para esta operação só existe um cirurgião: Jesus. A cirurgia às vezes dói muito, traz muitas lágrimas de ternura, de arrependimentos e aceitação. É a mais linda cirurgia que existe!
Saudades de minha mãe! Ela ficou preocupada e foi em busca de mim, queria cuidar de mim. Nunca se conformou com minha vaidade! Era modestíssima, sem nunca ter usado um batom. Também, gente, ela nunca precisou de plástica em nada, com aquele rosto de Ingrid Bergman e aquele narizinho fininho!
Não adianta ninguém pedir, não vou mostrar nenhuma foto de meu nariz de tucano.
Só tenho mesmo uma coisa a dizer: Confesso que vivi!