Nos últimos meses do curso saquei que o meu colega falava inglês e francês com fluência, e me peguei imaginando o Gumercindo e o Bush em seu canal particular para assuntos altamente secretos do Pentágono. E depois que a reitora disse aquilo, sinceramente, a coisa até fazia sentido, ou então os dois estavam gozando com a minha cara.
Bom, mas o que quero mesmo relatar é que entre as peças de teatro que montamos e desmontamos nas deliciosas Semanas de Letras, encaramos “Inês de Castro”, e a cronista que escreve este artigo foi a famosa rainha póstuma, com direito a todos os aplausos que arranquei da plateia. Também arranquei lágrimas pela minha poderosa atuação dramática, pois não foi uma nem duas colegas que se afligiram e choraram quando D.Inês (eu) foi morta cruelmente em pleno palco bem na frente de seus filhos. Elas me contaram depois que pensaram em seus próprios filhos e choraram. E eu, bem, me senti a própria Fernanda Montenegro. Para dizer a verdade, me senti a própria Glenn Close em dias de Oscar, o que me deu força para prosseguir em minha carreira teatral nas próximas Semanas de Letras.
Agora sim, voltemos ao Gumercindo. Ele foi um ator coadjuvante da peça. Ao contrário de todos os outros que decoraram fielmente suas falas, ele insistia em improvisar, dizendo que nós não sabíamos que teatro verdadeiro estava na arte do improviso. Nosso diretor, meu ex-colega bancário, arrancava os cabelos, e eu pensava, meu Deus, o Gumercindo vai por tudo a perder. Mas seguimos e chegou o grande dia. Todos providenciaram fantasias e foi uma graça a gente ver a criatividade de uns e outros nos figurinos da corte da Espanha e Portugal nos idos de mil trezentos e tanto. Eu, muito preocupada com Gumercindo. Sinceramente não acreditava que ele fosse capaz de usar uma fantasia, mas eis que o Gumercindo surge das brumas do tempo e aparece tão a caráter que nos deixou de queixos caídos. Trazia um impecável traje e um chapéu com uma pena que balançava elegantemente enquanto andava com uma espada embainhada à cintura. Era o próprio conselheiro do rei, sem tirar nem por. Sua fala foi improvisada como em todos os ensaios, e até houve um momento em que ele gaguejou uma frase e outra, mas deu conta.
Ao final, no ápice do tom dramático da peça em que eu implorava aos gritos que não me matassem, as luzes foram apagadas para dar um clima maior de suspense, e eu sem enxergar nada, continuei gritando, até que ouvi o Gumercindo me sussurrar ao ouvido:
– D. Inês, pare de gritar que a senhora já está morta!
Que saudades do Gumercindo! Por onde andará? Aqui perto mesmo no alto da Serra da Mantiqueira? Ou perdido nas salas do Pentágono? Talvez numa viagem à la “Highlander” na corte de D.Inês, ou quem sabe até abduzido depois de contatos imediatos sem fim? De qualquer forma fica aqui registrado meu eterno carinho por ele. Valeu Gumercindo! Você era daquelas pessoas que enriquecem a vida da gente!