Eu estava voltando para casa, depois de um dia horrível de trabalho. Já era de tarde, mas o sol ainda estava forte fazendo-me suar dentro de minhas roupas pesadas. Carregava um pequeno guarda-chuva porque acreditava que aquela tarde seria de chuva. Não foi, foi quente e desagradável.
Eu acho que ela não me amava … não, não me amava … estava sempre nervosa a reclamar de tudo. Do arroz, do calor e da falta dele, reclamava também dos vizinhos e, sobretudo de mim. E como ela reclamava de mim! Eu não ligava, não estava nem aí, sabia bem como não ouvi-la, e a novela da televisão ajudava. Depois, mais tarde em nossa cama, dormia muito rápido devido ao cansaço. Ouvia em meus sonhos suas reclamações bem distantes. A noite reclamava dos filhos que não tínhamos, ou mesmo do gato que também não tínhamos.
Aquela tarde fora diferente e única. Ao passar por debaixo de uma jabuticabeira, eis que uma gorda jabuticaba esbarrou em mim, sujando meu colarinho. Sim, sujou o colarinho, justamente ele que não era facilmente justificável como o ombro ou mesmo qualquer outra parte de minha vestimenta. Foi no colarinho, bem no cantinho … deixando uma marca rochinha bem no cantinho.
Quando eu cheguei em casa, não foi para meu sapato sujo, ou para meu suor e respiração ofegante que ela olhou. Não, os olhos de minha mulher caíram justamente naquele cantinho da jabuticaba. Acho que vi um brilho nos olhos dela, mas não tenho certeza. Ela gritou muito, gritou como nunca vi alguém gritar. “A culpa é da jabuticaba”eu lhe dizia, mas não era ouvido. Ela, no início, queria saber o nome daoutra, não perguntou mais de duas vezes e desistiu, para gritar mais e reclamar. Ali tive a certeza de que ela não me amava realmente. Minha mulher se foi apressada deixando-me sozinho na casa. Lamentei realmente que ela não tivesse feito o jantar; eu odiava cozinhar. “Maldita jabuticaba!”,amaldiçoei,” Vai me fazer perder a novela”.