Evidentemente que a sociedade precisa de leis para que o caos não se instaure e os delitos sejam prevenidos, porém sabemos todos que, dependendo da sociedade, as leis são mais duras para os pobres e mais suaves para os ricos e poderosos. Quantas vezes já assistimos a cenas de uma pessoa que permanece presa por roubar uma caixa de leite enquanto um rico bêbado atropela, mata, mas paga sua fiança e fica em liberdade. As leis são as teias de aranha que pegam os insetos pequenos e deixam passar os grandes.
Mas não vamos nos arvorar a apontar o dedo para a injustiça da lei porque também nós em nosso cotidiano muitas vezes nos valemos da lei para sermos injustos quando somos favorecidos. Por exemplo, se eu tenho mais de 60 anos eu devo ser atendida prioritariamente, acontece que posso ceder meu lugar para uma pessoa mais idosa do que eu e, no entanto, não o faço, não abro mão do meu direito. A lei é feita e a justiça ou injustiça está dentro de cada um. Se meu empregado rouba, eu posso denunciá-lo porque a lei está do meu lado, e ele deve ser punido. Por outro lado, nunca vou me esquecer de uma dona de casa que teve uma televisão roubada pela empregada, e foi à casa da moça para recuperar a TV. Pois bem, quando lá chegou e se deparou com a miséria em que a empregada vivia com sua numerosa família, ela não só não fez a denúncia como presenteou a moça com a televisão. Certo? Errado? Aí é por conta de cada um.
A questão de lei e justiça é complexa, controversa, inconclusiva como é o próprio ser humano e a própria vida. As concepções de justiça foram mudando ao longo do tempo de acordo com o pensamento de cada época e grupos sociais. Os estudiosos, juristas, filósofos e romancistas divergem entre si, portanto a nós, pobres mortais, cabe sempre verificar o que diz a lei e procurar viver a justiça da melhor maneira possível. Como somos demasiadamente humanos, de vez em quando somos injustos, mas me consola a fala de Shakespeare quanto a isso: “Cometei uma pequena injustiça para fazerdes uma grande justiça.” (O Mercador de Veneza), e a própria Bíblia: “Não sejas demasiadamente justo.”(Eclesiastes, 7,17).