Felizmente, o livro, “Caçadas de Pedrinho” não corre mais o risco de ser retirado das bibliotecas escolares conforme decisão do Ministro da Educação, Fernando Haddad. A obra, um dos maiores clássicos da literatura infanto-juvenil brasileira foi alvo de recente polêmica, acusado de abrigar conteúdo racista. Sem questionar o indiscutível caráter literário da obra de Monteiro Lobato, que decididamente não está em questão, a acusação de racismo provém das falas malcriadas da encantadora boneca Emília que se refere à tia Nastácia como “uma macaca de carvão”, aludindo à sua cor negra. A obra de Monteiro Lobato é de 1933, apenas quarenta e cinco anos após a abolição da escravatura e de um tempo em que caçar animais como a onça-pintada era prática natural. O contexto da época, sem o paroxismo do politicamente correto dos dias de hoje, permitia ousadias como brincar com a cor de Tia Nastácia, mas é curioso que o autor tenha justamente escolhido uma personagem não humana para fazê-lo.
Tia Nastácia à parte, Monteiro Lobato já eternizava o caipira Jeca Tatu como um caboclo irremediavelmente preguiçoso, “um parasita, um piolho da terra…” primeira fase do Jeca, segundo Marisa Lajolo. Depois o Jeca retorna como o Jeca Tatuzinho que no diminutivo recebe uma dose de afetividade por parte do escritor e denuncia o estado precário da saúde pública brasileira da época (1924), não tão distante assim do atual. Monteiro Lobato parece desculpar a fraca produtividade do caboclo pelo desânimo, anemia e verminose que o atacam e Jeca Tatuzinho se encarrega de promover as vendas do Biotônico, circulando no almanaque de produtos farmacêuticos Fontoura. Mais tarde o Jeca vira Zé Brasil, atendendo aos apelos marxistas por que passa o autor, que parece querer corrigir de forma progressiva os desvios cometidos. O fato é que, como Jeca, Jeca Tatuzinho ou Zé Brasil, embora recuperando a saúde e a cidadania, o homem do campo não recuperou a dignidade e teve sua imagem estigmatizada como ignorante e inadequado. Aqui o Monteiro pecou, mas só pisa na bola quem está em campo.
No que se refere à literatura infantil, parece que Monteiro Lobato, usando e abusando de sua mestria satírica, conseguiu encantar a meninada (incluindo a autora deste artigo) que, ou não percebeu as supostas nuances racistas, ou não se deixou levar por elas, pois o que ficou marcado foi o encanto da fantasia de um Sítio onde bonecas e sabugos de milho falam e filosofam e onde as crianças aprendem história e até mitologia grega. Lobato vivia o seu tempo, era influenciado por ele, como nós vivemos o nosso. Atualmente, é possível compreender a devastação causada pelos preconceitos e assim, cuidamos para que nossas crianças aprendam a viver de maneira mais fraterna e num mundo melhor.
Quanto à possibilidade de proibição do livro, também já faz parte de nossos dias a preciosa liberdade que não podemos e não queremos perder: liberdade de ir e vir, de credos, de escrever, de ler, de ser. A literatura, nas escolas e em casa, devidamente orientada por professores e pais competentes, pode ser um laboratório de valores humanos a serem aprendidos, discutidos e praticados. É possível ensinar e aprender que não somos todos iguais, somos diferentes. Negros, brancos, ocidentais e orientais, mas não superiores ou inferiores, apenas diferentes e como tal, devemos nos respeitar mutuamente.
Proibir, não. É proibido proibir.