Neste um ano desde a tragédia de Brumadinho fomos engolfados por problemas, outras perdas, alegrias e tristezas que compõem a nossa vida. Não moramos em Brumadinho. Não conhecemos as famílias que perderam tragicamente seus queridos. Com o tempo, naturalmente fomos nos distanciando daquele horror. É da humanidade, da nossa miséria humana. Mas os que ainda moram em Brumadinho, os atingidos diretamente pela tragédia ainda têm vivo em sua lembrança aquele cenário de destruição e terror.
Uma senhora, mãe da Eliane, funcionária da Vale que morreu na tragédia, fala sobre o que passou e ainda passa pela perda da filha. No dia em que tudo aconteceu, Eliane não voltou pra casa, então deduziram que ela havia morrido. Mas sempre resta uma esperança, talvez estivesse ferida, esperando por socorro. Sem o corpo, é sempre difícil colocar um fim em uma vida. Muitos corpos foram reconhecidos, mas nada de Eliane. A senhora contou que foi à igreja com a outra filha e lá ela pediu a São Judas Tadeu que a ajudasse, que pelo menos elas pudessem sepultar a filha, que seu corpo fosse encontrado.
E foi naquele mesmo dia. Eliane estava grávida de cinco meses e foi encontrada dentro de um carro enterrado no fundo da lama com mais três pessoas. Seus corpos estavam intactos. Eliane estava com um braço à frente do corpo como se tentasse se proteger daquele mar de lama e o outro braço protegia sua barriga onde estava seu filhinho. E o bebê, obviamente morto, estava perfeitinho. A senhora ressaltou que Brumadinho acabou, que os que sobreviveram também morreram um pouco.
O que dói no fundo do coração da gente é saber que aquelas centenas de mortos não foram vítimas de um fenômeno da natureza, mas vítimas de um crime. Foram assassinadas pelo descaso de uma empresa que se recusou a admitir que todos poderiam estar vivos se houvesse responsabilidade e respeito pela vida de trabalhadores.
E a vida é tão preciosa! Mais preciosa que qualquer coisa, que qualquer dinheiro do mundo, que qualquer ouro de Esmirna. Para um condenado à morte, a vida é tudo. Bastaria a vida, o resto seria reconstruído com garra, com luta. Em qualquer canto, qualquer pasto, com qualquer burrinho, plantariam ou trabalhariam de sol a sol. Mas voltariam pra casa todos os dias para abraçar seus filhos, para vê-los crescer. Para sair de mãos dadas com a mulher ou marido, tomar um sorvete na praça, irem ao cinema todos juntos, enfim, para viver essas pequenas coisas que são tão grandiosas.
Morreriam sim, um dia, quando a vida já tivesse sido cumprida, morreriam sim porque todos morrem um dia, mas não devia ser tão estupidamente, com morte tão trágica, tão dolorosa. Morreriam sim, um dia, mas não porque uma minoria irresponsável e cheia de poder fechou os olhos para o perigo que seus funcionários corriam.
Não há dinheiro que pague uma vida. Não há indenização que aplaque a dor da moça que se salvou, mas teve seu menino de dois anos arrancado de seus braços pela lama cheia de fúria. As pessoas lá do alto do poder sabem o preço das ações milionárias, do lucro, sabem o preço de tudo, mas não sabem o valor de nada.
Fica aqui minha homenagem inútil, meu grito silencioso, minha tristeza pelo um ano da tragédia de Brumadinho.
“Só males são reais. Só dor existe …” (Antero de Quental)