Há um mês fui com familiares fazer uma viagem de navio, desses que fazem um percurso pequeno, praticamente num fim de semana. “Éramos marinheiros de primeira viagem” e ficamos encantados com o conforto e luxo do navio Costa Pacífica, aproveitando para usufruir aqueles momentos de puro prazer. Felizmente tudo correu, digamos assim, mais ou menos bem considerando que por um triz o Costa Pacífica e outro navio, o MSC Orchestra não se chocaram, fato filmado por passageiros que ainda registraram um pedido de desculpas do capitão pelo quase acidente. Agora, depois do acidente com o Costa Concórdia, ficamos assustados. As notícias que não param de chegar sinalizam a incompetência da tripulação, falta de responsabilidade do capitão e equipe, manobras e rotas erradas. O capitão se defendeu, alegando que o banco de areia ou a rocha contra a qual o navio se chocou, não se encontrava nas cartas de navegação do navio. O momento não é para piadas, mas não deixo de me lembrar daquela anedota do bêbado cambaleante que bateu no poste e ficou bravo porque antes “o poste não estava ali”. Enfim, podemos refletir: a gente é que não sabe do perigo que corre, e a julgar pelo acontecido, nem eles, quero dizer, nenhum dos membros da tripulação também.
De acordo com o relato dos passageiros, o despreparo da tripulação era visível e nem mesmo os botes conseguiram ser tirados de maneira eficiente. As correntes que os prendiam foram golpeadas até que se rompessem, caindo com estrondo e arranhando o navio, o que fez aumentar o pânico. Muitos queriam a todo o custo passar por cima de outros e valia tudo, chutes, empurrões e gritos. Crianças perdidas desgarradas de seus pais, idosos abandonados, clima de Titanic mesmo. Foi noticiado que a tripulação não só ignorou a norma de acomodar primeiro idosos e crianças nos botes, como procurou sair antes de todos. Foi cenário de filme de horror, desespero total. Entre mortos e feridos, nem todos se salvaram. A tragédia só não foi maior porque o navio acabara de partir, seguia próximo à costa e o resgate pôde ser efetuado quase de imediato. Entretanto, concluímos que, passados cem anos, o Titanic e sua tragédia não estão assim tão distantes dos navios e tragédias de hoje. Evidentemente, no caso do Concórdia, o erro humano foi o fator preponderante no acidente e averiguações estão sendo feitas.
A imagem do moderno, gigantesco e luxuoso transatlântico tombado simboliza o contraditório panorama sócio-econômico atual. Por um lado, avançamos a passos largos na ciência e na tecnologia, por outro regredimos nas relações humanas e na tão necessária solidariedade. Priorizamos o mercado, fomentamos a ideologia do consumo, embarcamos (o termo não é proposital) num exacerbado cientificismo em detrimento da relação com o outro e esse fracasso é revelado no cotidiano e claramente nas situações extremas como no caso do acidente do navio. Somos solidários e gentis na medida em que não nos tomam o lugar. Também há outro ponto a ser considerado: num transatlântico luxuoso não existe apenas o luxo que vemos, mas a miséria e exploração dos funcionários que preferimos não ver – uma tripulação em sua grande maioria composta de filipinos, indianos e outras gentes que sem possibilidade melhor de emprego ganham pouco e trabalham muito, com pouco preparo.
Urge humanizar o homem, afinal “estamos todos no mesmo barco” e do contrário, “ficaremos a ver navios” … tombados.