Na expectativa de a porta se abrir no tempo previsto, desocupei uma das mãos para segurar a chave do apartamento e adentrar rapidamente no lar, mas o elevador continuou fechado. Achei que houvesse acabado a energia, porém, eu continuava subindo. Dei uns pulinhos para me certificar do sentido do percurso e tive certeza que me dirigia para cima.
– Que coisa estranha! – pensei. – Como seria possível o elevador passar pelo telhado e ascender ao céu? Será que não pertenço mais a este mundo?
Fiquei apavorado. Por mais que achemos que estamos preparados para a morte, ninguém espera falecer dentro de um elevador. Comecei a apertar os botões e a bater na porta, mas nada se alterava, eu continuava subindo. Sem opção, pus a papelada no chão, limpei o suor do rosto e sentei, esperando o final do percurso.
Então, com tempo suficiente para ficar à toa, comecei a pensar no sentido da vida.
– O que fiz com a minha existência? Correspondi à vontade de Deus nas oportunidades que Ele me deu de fazer o bem? Agradeci o suficiente a Nossa Senhora por tantas bênçãos que me concedeu? Amei as pessoas como Jesus me ensinou ou, pelo menos, retribui o carinho que tanta gente demonstrou por mim?
Surpreendentemente eu não chorava. Mesmo lembrando minha adorável família, eu não chorava. Uma profunda paz interior tomou conta de mim e somente coisas boas vieram à cabeça: missas que cantei, palestras que ministrei no Cursilho e Ovisa, evangelização nas rádios e nos jornais, caridade com os vicentinos, trabalhos na Pastoral Familiar, livros católicos que escrevi, coordenação do Natal no Campus da UNIFEI, aulas, terços, futebol com os amigos, vida em família…
Ah, de repente, todas as lembranças antigas começaram a se apagar e somente as coisas mais recentes eu podia recordar. Lembrei de uma palestra que participei e aprendi este ensinamento:
O pecado é como um obstáculo que nos faz parar e refletir; e no Evangelho, obstáculo aparece como ‘escândalo’! Para quem está iniciando na fé, isso pode se tornar um impedimento definitivo para a caminhada cristã. Por isso, é preciso analisar com profundidade as conseqüências de se viver na graça ou viver negando a proposta divina – desgraça.
Infelizmente, poucos entendem os gestos de amor de Jesus para com os pecadores e, aqueles que ignoram, deixam de fazer essa belíssima experiência em suas vidas. Seria importante que nossa evangelização enfocasse o Plano de Deus para cada irmão em Cristo: amar uns aos outros, servindo com humildade no coração, construindo um mundo mais justo e fraterno. É um Plano de Amor e Salvação!
No capítulo 30 do Livro do Deuteronômio está escrito: “Eis que ponho diante de ti o bem e o mal. Escolha o bem e viverás”. Isso significa abrir mão de alguns interesses pessoais para assumir um projeto coletivo de felicidade – o que não é fácil! No sentido figurado, significa ‘rasgar o coração’. Por exemplo: o jovem rico do Evangelho de Marcos deixou tudo para seguir Jesus? Confiou na promessa de que não era necessária sua fortuna para entrar no Céu?
Como é difícil aconselhar outras pessoas, concorda? Mesmo preso no elevador, lembrei de um padre que estava procurando a agência de correios numa cidade do interior e encontrou um menino sentado na sarjeta.
– Meu jovem, pode me explicar onde fica o correio? – falou o sacerdote.
– Ali, depois daquela ponte, seu padre.
– Muito obrigado, mas vejo que você é tão novo e já está com um cigarro na boca! Eu sou o novo pároco da cidade e gostaria de lhe ensinar os caminhos de Deus. Vá à igreja e conversaremos.
– Que nada, seu padre. O senhor não sabe nem o caminho do correio e quer me ensinar o caminho de Deus?
Esbocei um sorriso e logo voltei à realidade do elevador que continuava subindo ao céu. Ao céu desconhecido ou ao Paraíso? Na dúvida, comecei a rezar, a pedir perdão dos meus pecados, a rogar pelos nomes que deixei escritos no oratório de casa, e fui me entregando nos braços do Pai com cânticos de louvor. Ficava feliz cada vez que pensava no pouco que fiz pela construção do Reino. Dava vontade de gritar com alegria: ‘Eu não esperei ficar velho e aposentado para servir a Deus!’
Dei razão a uma amiga que um dia me disse: ‘Não faça da sua vida um rascunho, pois pode não dar tempo de passar a limpo. Lembre-se que somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para melhorar o que somos. Enfim, é até melhor estar preparado para dar uma oportunidade e não ter nenhuma, do que ter uma oportunidade e não estar preparado’.
Êpa, após horas sozinho naquele lugar, o elevador parou e a porta se abriu. Então eu acordei. Viva, acordei para uma vida nova! Acorde você também.