Toda tarde, quando voltava da escola, um garoto batia à porta de uma casa bem cuidada e pedia um copo de água. A governanta o atendia educadamente e, às vezes, perguntava se queria gelada ou natural. O tempo foi passando e o menino ficou conhecido entre os moradores da casa, que o chamavam de ‘Secura’.
Um dia, a governanta lhe perguntou se morava longe e ele respondeu:
– Não, senhora. Moro aqui no bairro; ali na rua de baixo.
– Mas, então, por que você não espera para matar a sede em casa?
– É porque eu gosto da água daqui!
– Esta água deve ser a mesma que vocês bebem lá! Tem geladeira na sua casa?
– Tem, sim. Dá pra me encher mais um copo?
– Eu vou buscar, mas quero que você me explique direito o motivo que o faz parar aqui todos os dias.
Quando ela voltou com mais água no copo, o garoto já havia partido. Então, a doméstica recontou a história a todos da casa e ninguém conseguiu entender aquelas visitas que o Secura mantinha após as aulas. Resolveram não mais interrogá-lo e apenas matar-lhe a sede.
Mais algumas semanas se passaram e, inevitavelmente, o assunto voltou à tona:
– Que água boa!
– Menino, o que esta água tem de diferente daquela que você bebe em sua casa? – perguntou-lhe a governanta.
– Lá, quase não bebo porque não tenho sede.
– Ah, é? E quando passa por aqui me tira do serviço dizendo que está morrendo de sede?
Ele devolveu o copo e saiu correndo. Agora, aquela família tinha mais um pouco de mistério para desvendar. Decidiram, então, deixar uma mangueira instalada na torneira do quintal e soltar a água quando o menino tocasse a campainha. Logo ele chegou e ouviu estas palavras:
– Pegue a mangueira no chão que vou abrir a torneira.
– Mas, eu quero gelada!
– Não quer, não! Faz tempo que você não pede água gelada.
– Hoje, deu vontade. Tá muito quente!
– Ora, garoto, beba a água e pronto!
– Esta eu não quero.
E foi embora. Nos próximos dias, perceberam que ele passava, via a mangueira próxima ao portão trancado e seguia em frente, sem bater. Aquilo também passou a incomodar a família, até que a governanta o seguiu até sua casa. Era um lugar simples, mas com carro na garagem e antena parabólica no telhado. Mais mistério!
Batendo palmas, logo surgiu um senhor mal-humorado à porta:
– O que deseja?
– Vi um garoto entrando aqui e…
– O que ele fez dessa vez? Se aprontou mais alguma, vou rachar o couro dele de cinta!
– Não, senhor, ele não fez nada de errado.
– Como não? Você não falou que viu o safado entrando aqui? Pode dizer logo quem está reclamando dele.
– Ninguém! Eu só quero um pouco d’água!
– Ei, moleque, traga um copo d’água aqui. Se derrubar na sala, eu arrebento você!
O menino saiu pálido e tremia muito. Ao ver aquela conhecida senhora, parou, ameaçou voltar, mas, envergonhado, deu-lhe o copo.
– Muito obrigada. Que água gostosa, não?
Ele não respondeu e voltou correndo para dentro da casa. Aquilo foi o bastante para tudo se esclarecer na cabeça da governanta, pois percebeu que o Secura gostava de água misturada com amor. Como não conseguia isso em casa, procurava satisfazer a carência com os vizinhos.
A partir daquele dia, a mangueira foi retirada do quintal e o portão da família que o menino visitava passou a ficar destrancado à tarde, ao término das aulas. Ele ganhou a liberdade de entrar e escolher entre água, suco ou leite. Às vezes, tomava os três! E souberam que o seu nome era Jorginho, mas ele preferiu que continuassem chamando-o de Secura mesmo.
Ah, havia uma condição para que bebesse e comesse o que quisesse naquela casa de família; tinha que rezar esta oração antes das refeições: ‘Abençoai, Senhor, o alimento que me destes para ganhar força e melhor Vos servir e amar. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém’.
Ele aprendeu também uma linda oração que tinha num quadro na parede da sala: ‘Meu Senhor e meu Deus, tira de mim tudo o que me impede de chegar a Ti e coloca em mim tudo aquilo que me atrai para Ti. Arranca-me de mim mesmo, Senhor, e toma-me totalmente para Ti’.
O tempo passou e, hoje, Jorge é sacristão da igreja do bairro. Seu pai faleceu de cirrose e ele cuida muito bem da mãe idosa. Quando vê alguém chegar cansado para participar de alguma celebração na paróquia, logo se aproxima e pergunta: ‘Aceita um copo d’água com amor?’
Paulo R. Labegalini
Cursilhista e Ovisista. Vicentino em Itajubá. Engenheiro civil e professor doutor do Instituto Federal Sul de Minas (Pouso Alegre – MG).
Livros do autor:
1. Gotas de Espiritualidade – Editora Bookba (à venda na Amazon, Americanas, Shoptime, Magalu…) – mensagens diárias de fé e esperança, com os santos de cada dia.
2. Pegadas na Areia – Editora Prismas / Editora Appris
3. Histórias Infantis Educativas – Editora Cléofas
4. Histórias Cristãs – Editora Raboni
5. O Mendigo e o Padeiro – Editora Paco
6. A Arte de Aprender Bem – Editora Paco
7. Minha Vida de Milagres – Editora Santuário
8. Administração do Tempo – Editora Ideias e Letras
9. Mensagens que Agradam o Coração – Editora Vozes
10. Projetos Mecânicos das Linhas Aéreas de Transmissão (coautor) – Editora Edgard Blücher
11. Mecânica Geral – Estática (coautor) – Editora Interciência