
Menino, sim. Apesar dos 19 anos, sua expressão era ingênua, quase infantil.
Tão novo, e carregava o peso do mundo nas costas desde que nasceu. Nasceu de uma mãe esquizofrênica, filha de pais doentes mentais, e irmão de quatro outras crianças.
Quando foram retirados de casa, só ele não foi adotado. Ele já parecia esquisito para todos os que o conheciam.
Viveu de abrigo em abrigo, viveu na rua, com fome, com frio e, pior, rejeitado por ser estranho.
Só foi diagnosticado como esquizofrênico aos 10 anos. Recebia a medicação pelo CAPS da sua cidade, mas nunca teve quem cuidasse para que ele não se esquecesse de tomá-los.
Quem já conviveu com um esquizofrênico (e o tipo de doença dele era a esquizofrenia mais grave, chamada hebefrenia) sabe que a noção de realidade do doente é muito precária, mesmo fora de crise.
É muito comum que os que são afetados por essa doença não consigam cuidar minimamente de si, sem supervisão.
Assim acontecia com ele, que vivia na rua.
Quando era levado à delegacia, ao menos tinha comida e cama por uma noite. Por isso, muitas vezes ele atirou pedra nas viaturas que passavam, apenas para ser preso. Os policiais já o conheciam, e até mesmo praticavam um arremedo de cuidado.
Uma vez foi retirado do trem de pouso de um avião onde se agarrara, imaginando que assim chegaria na África para “brincar com os leões”, como dizia desde criança a todos que o conheciam.
Até que um dia ele resolveu brincar com uma leoa no Brasil, mesmo. Num zoológico cheio de visitantes, que se apressaram a filmar todo o tempo que ele levou para escalar o muro, a grade e a árvore, até ser morto pelo animal.
Essa tragédia expõe o vergonhoso retrato de um país que não cuida dos seus doentes mentais, das suas crianças abandonadas à própria sorte, dos seus cidadãos menos privilegiados.
Não falta dinheiro para a saúde no Brasil, muito menos para a saúde mental, a mais abandonada de todas as especialidades médicas pelo estado brasileiro.
Falta, isso sim, caráter aos governantes, falta vergonha, falta humanidade em todos os níveis de governo.
Deus cuide de nós, porque os eleitos para isso não têm tempo e nem disposição.
Este é o nosso infeliz Brasil!
Por Graça Mota Figueiredo
Professora Adjunta de Tanatologia e Cuidados Paliativos
Faculdade de Medicina de Itajubá – MG