Tenho lido um livro, Exegese Logosófica, e nele aparecem muitos conceitos e reflexões sobre a vida. Por meio de ensinamentos, ora o autor faz afirmativas, ora traz perguntas sobre as muitas lutas que o ser humano enfrenta na vida. Mas o que até agora me chamou mais atenção nessa leitura foi um trecho que diz o seguinte: “O conhecimento das reações do temperamento, da suscetibilidade, e ainda o da zona em constante rebeldia do próprio ser autoritário, com sua impulsividade impressa nas palavras e nas ações, ajuda a resguardar a vida de toda eventualidade imprevista e desafortunada.”
Quantas coisas para aprender em apenas um trecho do livro. O autor explica que conhecer as reações internas ajuda-nos a proteger a própria vida e a vida de relação. E como fazer isso? Como me conhecer e saber como vou reagir diante de uma situação? De onde surgem as reações que tantas vezes me fazem falar e fazer coisas que depois me deixam triste e até mesmo arrependida? E depois que as palavras ou ações chegam ao externo, de que vale o arrependimento se já me machuquei e, muitas vezes, magoei aos demais?
Pois bem, numa determinada semana de trabalho , tive que atender vários funcionários da minha equipe. Coordeno um grupo de 35 pessoas, profissionais muito preparados tecnicamente, experientes e com bastante domínio de suas tarefas. Mas, como “chefe” deles, muitos têm de me procurar, solicitar autorizações, enfim, prestar contas de algumas fases do trabalho. E, como nós, seres humanos, somos diferentes e funcionamos de modo diverso, nem sempre os prazos são cumpridos exatamente conforme a determinação. Várias das minhas tarefas do dia precisam ser concluídas com dados e informações que os profissionais da minha equipe têm de me passar. Só que…
Só que muitas vezes a manhã passa, a tarde se adianta e meu trabalho fica bem agarrado, pois me faltam dados que já deveriam ter chegado. É o clássico: ficar na dependência do outro. Fico calma? Nem sempre. Também tenho prazos para a entrega. Geralmente, como fruto desses atrasos da equipe, fico até tarde trabalhando comprometendo meu descanso. E como vai ficando meu estado interno? O que faço com as reações do meu temperamento? O que faço com a impaciência, a irritabilidade, as respirações profundas que preciso dar antes de telefonar “cobrando” uma tarefa atrasada?
Outro dia, vivendo exatamente essa situação, fiquei bastante aborrecida, pois faltava apenas uma informação para o término de um documento muito grande e que me exigiu muitas horas de intensa dedicação. Pensei primeiro em enviar uma mensagem pelo WhatsApp, pedindo para que o devedor me enviasse a sua parte. Depois pensei em telefonar; ficaria mais sério o pedido já que hoje só se telefona quando o assunto é mesmo muito sério. Meu estado interno, já bem agitado, e com pensamentos de irritabilidade crescente, estavam tomando um rumo bem bravo, eu diria.
Respirei fundo e, com um movimento interno de recordação, de forma mais serena e detida, fui me lembrando do profissional que estava me devendo tal informação. Era uma pessoa ótima, muito querida e respeitada por todos que convivem com ela. Educado, gentil e muito prestativo. É impontual com as suas tarefas? Às vezes, mas nem sempre. Comecei a listar mentalmente várias de suas características, recordei de muitas passagens em que estivemos juntos, trabalhando, rindo, passando aperto. Meu estado interno em poucos minutos foi melhorando. As reflexões que fui capaz de fazer, com a presença da sensibilidade, ajudaram a me acalmar. Precisava cobrá-lo, mas o faria de modo a não ferir — nem a ele, nem a mim. Por fim, conferi pela enésima vez a minha caixa de e-mails e lá estava a sua mensagem, com o que eu precisava, com um pedido de desculpas e a justificativa do seu atraso: estava com o pai internado com COVID e precisou tomar conta da mãe, que não tinha condições de ficar sozinha. E eu, por uma questão de segundos, poderia ter me exaltado, poderia ter sido tão pouco bondosa, poderia, poderia…
Fiquei pensando em como posso ser melhor para mim e para os demais, se estiver atenta às reações do meu temperamento e às reações dos demais. O que ganho com isso? Ganho vida, ganho alegria, ganho controle sobre mim mesma.
Um pensamento de Marise Nancy de Alencar
Marise Nancy De Alencar, pedagoga, é de Belo Horizonte – mg. estudou pedagogia na UEMG, depois mestrado em educação no CEFET-MG. estuda logosofia desde 2000.