Qual não foi minha surpresa quando minha prima me presenteou com o livro de Cristina “Quando o meu cão me passeia”. Fiquei absolutamente encantada com o livro de crônicas curtinhas que tratam de questões simples, diárias, que falam de cozinhas, de cães, filhos, envelhecimento, planetas, e outros temas que nos acontecem e nos acompanham a qualquer hora do dia a dia e da vida. Reparo que digitei acima “questões simples” quando na verdade são questões grandiosas, a gente é que não percebe quão grandiosas são.
Quem escreve tem que ler, não há outro caminho para escrever porque é quando lemos que somos assaltados pelo desejo de escrever. Mais do que nunca comprovo ser verdade o que li no livro “O rumor da língua” de Roland Barthes. O grande linguista e filósofo diz que não é que desejamos escrever como o autor, nem que desejamos escrever o que o autor escreveu, mas simplesmente ficamos com o desejo de escrever.
Voltando ao “Quando meu cão me passeia”, gosto de tudo, mas uma crônica me chamou mais a atenção. “Da cozinha e das elites”. A autora estava na cozinha preparando algo para a família quando sua filha entrou e lhe disse simplesmente que já sabia o que queria ser quando crescesse, talvez uma pintora ou atriz, não uma cozinheira como a mãe. A princípio Cristina se indignou e fez lembrar a filha que ela tinha uma carreira, com curso superior, com artigos no jornal, etc. Entretanto, ela de repente percebeu seu engano, talvez preconceito para com a culinária. E mais, percebeu que ela era, acima de tudo, mãe e “tratadora” de cinco filhos, e como tal, era por excelência, cozinheira. E tece reflexões sobre hábitos e profissões intelectuais, de raciocínios, e também o quanto é agradável descobrir o lado criativo de passar a ferro ou descascar batatas. Concluiu que “a gente é o que faz no momento”, e assim, agradeceu ao episódio com a filha Sofia por descobrir também que é cozinheira enquanto cozinha. O que mais me encantou foi como terminou a crônica: “… é com serenidade que assino este pequeno texto como: Cristina Hauser, Cozinheira.”
Isto me fez pensar sobre um conflito que tenho sempre quando me perguntam o que sou, ou seja, minha profissão. Na verdade, odeio dizer aposentada, pois sugere que nada mais faço da vida. Às vezes acrescento “bancária aposentada”, mas igualmente não gosto, embora o emprego como bancária foi o que me deu sustento, mas falo de desejos e prazer. Reflito, reluto, e algumas vezes, mesmo envergonhada, digo: “escritora”, e confesso que sinto um imenso prazer ao dizer isto porque realmente escrever é o que faço com tesão. Também lavo, passo, limpo, cuido das plantas, cozinho mal pra caramba, mas sou dona de casa, querendo ou não. Só não sou mãe. Não? Sou sim, toda mulher nasce mãe, com instinto maternal e tudo. Mas falando sobre profissões, sobre dizer o que é ou o que faz, meu marido já se apresentava a mim quando nos conhecemos nos seguintes termos: sou pedreiro, cozinheiro, engenheiro e advogado, deixando na frente as duas ocupações que mais curtia e curte.
Se a gente é o que faz no momento, então realmente agora sou escritora.