Ainda que as leis sejam mais duras contra qualquer tipo de preconceito, ele existe porque está dentro do homem. As leis dificultam a vida dos racistas, obriga-os a se conterem, mas vez ou outra essa gente pobre de espírito, como diz Taís Araújo, revela o sentimento pequeno e covarde ao vomitar seu ódio usando frases desse tipo. Muitas pessoas são racistas e preconceituosas, mas conseguem camuflar o que sentem. Bem, que tratem de camuflar mesmo porque isso não é mais tolerável, é inadmissível. Mas o preconceito existe, existiu e existirá, é real. Não é coisa antiga e fora de moda como costumam dizer, já vi gente pagando dois assentos no ônibus só para não correr o risco de se sentar com negro e pobre, já vi gente cheia de raiva se referindo à uma negra como “aquela negrinha do cabelo ruim”, e mesmo brincadeiras maldosas.
Fazendo uso de sua extraordinária veia satírica, Machado de Assis escreveu uma crônica publicada em 19 de maio de 1888, que enfoca o preconceito e a hipocrisia dos que se julgam humanistas, mas no fundo não passam de pessoas mesquinhas e pobres de espírito. A história é mais ou menos assim: um homem convida seus amigos para um jantar quando comunica que mesmo ainda em tempos de escravidão, deu alforria ao seu escravo Pancrácio. Ele também permitiu ao negro continuar em sua casa e trabalhar recebendo um salário, o que causou admiração por parte dos amigos que não lhe pouparam elogios. No entanto, o homem revela que mesmo estando o negro alforriado, não consegue deixar de lhe bater, movido por um impulso natural, e ainda confessa que crê que Pancrácio recebe as pancadas humildemente e com alegria.
O velho Machado, sempre perspicaz na sua sondagem acerca da natureza humana, faz uma crítica à postura hipócrita dos que batem no peito para expor suas falsas virtudes, pois uma virtude verdadeira é sempre percebida por outros a despeito dos esforços infrutíferos da pessoa virtuosa para esconder o bem que faz. Nunca ficará escondido o mal ou o bem que fazemos, já dizia Santa Teresa de Ávila.
De fato, não é uma lei que impedirá o preconceito de cor, de raça, de sexo ou de qualquer outra coisa. O sentimento de rejeição de uma pessoa por outra está latente em muitos indivíduos, mas os atos agressivos têm que ser combatidos e punidos. Os agredidos não podem se calar e devem sim denunciar essas ações. Pancrácio, o escravo alforriado, não gostava de ser xingado, nem de levar pancadas, tenho certeza. Ninguém gosta. Todo mundo gosta de ser respeitado.