O horror daquela guerra sangrenta, bem como o de qualquer guerra é inimaginável. O que pudemos assistir foi em muitos filmes, e mesmo sabendo que tudo era gravado e filmado, tem-se apenas uma pequena amostra do cenário infernal. A cada dia milhares de pessoas caíam por terra, inclusive civis, mulheres e crianças. Muitos soldados desertavam, listas de baixas cresciam. A dor e desespero grassavam por toda a parte. Quando não se morria por ferimentos, a fome, o frio e as doenças se encarregavam de matar impiedosamente. O cotidiano dos soldados nas trincheiras insalubres, cheias de lama e sujeira era enlouquecedor. Médicos e voluntários trabalhavam incansavelmente para salvar o maior número de vidas possível, mas a precariedade dos meios da época fazia com que muitos morressem antes mesmo que fossem atendidos. Os que se salvavam voltavam mutilados e carregando na alma um fantasma de horror do qual nunca se livrariam. O soldado que podia receber um pouco de vinho tinto e cigarros era feliz.
Lendo algumas reportagens sobre os cem anos da Primeira Guerra, uma particularmente me chamou a atenção: a partir da década de 90, mudanças climáticas provocaram o derretimento da neve dos Alpes Italianos revelando uma curiosa descoberta – diversos cadáveres da Primeira Guerra Mundial em sua maioria, mumificados. Restos humanos das batalhas que foram travadas entre a Itália e o Império Austro-húngaro vieram à tona como que para contar a triste história da guerra. Na época, na pequena cidade italiana de Peio, milícias de ambos os lados construíram uma fortaleza bélica para guardar armas no topo das montanhas geladas justamente pelo difícil acesso. Mas o gelo acabou por se revelar um cruel inimigo comum, pois muitos perderam a vida por causa da baixíssima temperatura (abaixo dos 30 graus negativos) e muitas avalanches.
Uma grande quantidade de objetos encontrados como diários, cartas e fragmentos de jornais russos fez com que os habitantes da área construíssem um local para preservá-los. Nasceu assim o atual Museu da Guerra de Peio. Em 2004, um guia da montanha achou três corpos mumificados numa parede congelada bem próximo ao pico San Matteo. Os cadáveres eram de soldados austríacos que estavam desarmados e portavam pacotes de ataduras em seus bolsos, indicando que poderiam ser enfermeiros austríacos mortos durante a Batalha de San Matteo, de 3 de setembro de 1918. Até hoje, mais de 80 corpos foram encontrados. Os mais recentes foram corpos de dois soldados austríacos, de 17 e 18 anos de idade, que devem ter sido enterrados em uma fenda na geleira por seus companheiros. Com certeza isso vai inspirar novos filmes e livros.
Bem, nada mais triste do que a guerra. A realidade do sofrimento nos campos de batalha e nas horrendas trincheiras passa bem longe das histórias de amor dos filmes que tiveram por pano de fundo a terrível tragédia. Infelizmente, as lições daquela grande carnificina não foram aprendidas e a humanidade nunca encontrou meios para impedir que outras guerras acontecessem. Preferiria falar de outros assuntos, até de futebol que nada entendo, mas não há como ignorar os cem anos da Primeira Guerra Mundial. Seja lá como for, deixo registrada a lembrança do inominável episódio. E fico por aqui me lembrando de uma frase que minha mãe gostava muito de falar: “Nada como a paz”.