A ciência avança e a vida tem durado cada vez mais. No entanto, qualquer pessoa sabe que o tempo de viver tem fim. Há um incômodo em se pensar nessa finitude. A esperança da imortalidade parece um desafio que esconde o desejo humano de domar o tempo para que ele continue. Continuar para quê? Como perceber sua continuidade? Um geólogo sabe a história de uma rocha pelos veios que encontra nela. Os anéis de uma árvore denunciam sua idade para um biólogo. Há sinais no DNA que contam o processo de transformação pelo qual passaram cada espécie e cada indivíduo na Terra.
O tempo deixa marcas em tudo. O conhecimento possibilita lê-las, aprender com elas, trazer para o presente o que não existe mais e projetar o futuro. Grande é a generosidade de Deus ao espalhar pelo Universo os sinais de vidas e de existências para que o ser humano não as ignore, mesmo que jamais as tenha presenciado. Uma rocha, no seu início, não era a mesma que se vê hoje, uma árvore somente guarda uma vaga lembrança daquela que foi sua matriz. Um animal pode estar extinto há milhões de anos, no entanto, alguns de seus ossos denunciam que um dia esteve neste planeta.
Fatores individuais, culturais, sociais e outros influenciam na maneira de viver o tempo. Ele pode ser curto ou longo, profundo ou superficial, amigo ou inimigo. Quanta angústia é sentida quando se percebe que o tempo passou sem que se tenha a menor consciência do que se viveu. Há experiências e fatos, alguns até singelos, que ocorrem com frequência, e, ao não se atribuir valor a eles, o tempo passa, e junto também a vida.
Cada ser humano escolhe como aproveitar o tempo ou gastá-lo, mas poucos se dão conta do porquê de suas escolhas. Muitos só se referem às conquistas relacionadas ao aproveitamento do tempo físico, como se um dia valesse mais do que uma hora, um minuto ou mesmo um segundo. Uma sutil finitude esconde-se nessa maneira de vê-lo, quando ele é acompanhado por um relógio ou pela passagem das folhas de um calendário. Uma prisão se oculta na rotina do dia-a-dia, seja ela no trabalho, no lazer ou mesmo nas delicadas relações afetivas e familiares, como se tudo ficasse na superfície da vida e não deixasse um rastro de verdade para cada um encontrar a si mesmo no que tem valor, naquilo que sentiu e viveu.
Tenho percebido que o tempo adquire uma dimensão maior para mim quando vivo intensamente, ao experimentar emoções e sensações que dão significado aos episódios vividos. Se não estou atenta ao que ocorre dentro de mim nesses momentos mágicos da vida, o tempo passa e, com ele, igualmente se esvai o valor que se oculta atrás do que foi experimentado. Não seria esse valor uma das verdadeiras marcas do tempo na vida espiritual?
Por motivo de uma doença séria e persistente que precisei enfrentar, vi que talvez minha vida estivesse se extinguindo. Na mesma época, esperava a chegada de meu primeiro neto. Sentia alegria por sua vinda e tristeza pela perspectiva de não ter saúde quando nascesse. Não pude me envolver como gostaria com seu nascimento, e tampouco durante seu primeiro ano de vida. Para não deixar a tristeza ocupar o lugar da alegria, diminuí minhas expectativas em relação àquela experiência. Além disso, a paciência, sábia irmã do tempo, ajudou-me a viver com intensidade o que foi possível naquela ocasião.
Aprendi um pouco a unir dentro de mim as boas e leves sensações dos momentos experimentados com aquele pequeno ser, nas oportunidades que tive. Não foi a quantidade de episódios vividos que dignificou o tempo passado junto a ele, mas, sim, poder uni-los através do valor que representaram para mim. Sentir a continuidade do tempo é não viver os fatos de forma isolada, e sim perpetuá-los, ao unir partes da vida que têm semelhanças umas com as outras.
Se o ser humano, pelo conhecimento, é capaz de decifrar as marcas do tempo espalhadas no Universo, deveria então ter a possibilidade de buscá-las em si mesmo, por pertencer à mesma Criação. Se o mapeamento do DNA mostra mutações, doenças e aptidões adquiridas ao longo da história de cada um, por que não existir um “DNA” que contenha os sinais da passagem do tempo na existência espiritual do indivíduo, nas diferentes gerações de si mesmo? Ficção ou uma perspectiva real?
Ainda não sei responder a essas perguntas, mas isso não me impede de querer investigá-las, pois elas existem dentro de mim e de muitos outros. Podem estar formuladas de outras maneiras, porém se referem à grande inquietação humana sobre a finitude da vida física e aos mistérios do tempo, que testemunha tudo o que acontece no Universo.
Embora exista uma busca constante por descobrir as inúmeras semelhanças físicas e psicológicas entre os integrantes da espécie humana, há, em contrapartida, o desejo íntimo de encontrar aquilo que faz cada ser único — não por fora, mas na sua essência, nessa parte espiritual que permite a uma pessoa viver, de forma distinta, experiências de vida comuns a seus semelhantes, simplesmente por dar valor diferente a elas. Uma questão de tempo? Quem sabe ele não tenha deixado marcas na trajetória espiritual de cada indivíduo e espere pacientemente que estes as encontrem?
Um pensamento de Clícia Valladares Peixoto