Hoje estou de um jeito todo nostálgico, com saudade da vida que passou e de todas as pessoas que amei. Então, os leitores vão me permitir um “flash back”, um relato de quando me mudei para o mato, tempos depois da morte do Marco.
“Já me mudei…
Exatamente agora escrevo na varanda, com o sol gostoso de inverno aos meus pés, o céu azul no horizonte e a brisa tocando os sinos de vento.
Ah! Não posso me esquecer dos sabiás que me visitam, confiantes de que alguém que vive no meio das árvores deve gostar do canto dos pássaros.
Aliás, até agora não ouvi ainda música ambiente, eu que não faço nada que preste sem ela; é muito melhor ouvir os sabiás.
Um casalzinho deles, por sinal, vem se preparando pra chocar no topo de uma das colunas da varanda. Ofereci aos dois uma casinha feita de cabaça com um ninho dentro, feito por algum casal amigo deles e que achei numa pousada daqui de perto, onde íamos sempre, Marco e eu.
Mas acho que eles preferem o método antigo. Até agora nem se dignaram a explorar a casa nova.
Ou então se parecem comigo e gostam de ritos!
Eu, por exemplo, quando inicio uma fase nova de vida, faço marcas bem claras de um novo começo. Ontem, por exemplo, a primeira noite em que dormi na casa nova, usei toalhas novas, roupa de cama nova, panos de prato novos… Renovei a esperança de paz e de harmonia no novo lar.
Talvez os meus amiguinhos queiram, como eu, marcar a sua nova vida com símbolos de renovação. Um novo ninho, virgem de outras vidas, talvez seja necessário para lhes assegurar a eternidade da promessa, sempre renovada, do amor e do companheirismo.
Talvez eles sonhem, como eu, com a união indissolúvel mesmo na morte, e dessa forma queiram se cercar de promessas de recomeço e de renovação. Talvez sejam mais sábios do que nós, humanos, no que diz respeito às coisas da natureza e saibam que o amor é eterno, mas que, na sua eternidade, precisa renovar-se continuamente e recriar-se indefinidamente.
Por via das dúvidas, já que estão mais perto de Deus esses bichinhos, mando por eles recado pro Marco: estamos, você e eu, na casa nova!
Recomeçamos mais uma vez, num ensaio premeditado para as outras vidas que virão…”
Graça Mota Figueiredo
Professora Adjunta de Tanatologia e Cuidados Paliativos/Faculdade de Medicina de Itajubá – MG