Responsabilidade Social no Brasil está diretamente associado à falência do modelo intervencionista de caráter estatal e ao processo de redemocratização que se consolidou durante os anos 80, período em que os sindicatos se fortaleceram e diversas organizações da sociedade se consolidaram, aumentando o poder de pressão em relação a diversas instituições, incluindo-se as empresas.
Paoli(2002) realiza uma análise da inserção do empresariado brasileiro no campo social pela via do Terceiro Setor, como espaço público de atuação não estatal, considerando que o centro do contexto das idéias nas quais se desenvolve e emerge a ação responsável e solidária dos empresários é o da ‘disputa’ por uma forma de regulação social
A miséria dos povos pode ser detectada pelo nível de desenvolvimento, medido por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador sintético que varia entre 0 e 1. Quanto mais distante de 0, maior o desenvolvimento humano. Para fins analíticos, a um IDH até 0,499 se atribui a classificação de baixo desenvolvimento humano; entre 0,500 e 0,799 considera-se médio desenvolvimento humano; e, acima de 0,800, alto desenvolvimento humano. Essencialmente, o IDH é composto das seguintes dimensões:
Longevidade – O indicador escolhido para essa dimensão é a esperança de vida ao nascer, definida como o número de anos que um indivíduo espera viver a partir do nascimento, respeitados a estrutura e os níveis de mortalidade por idade observados naquela população no ano em questão. A inclusão desse indicador deve-se ao fato de que ter uma vida longa e saudável é uma precondição para a ampliação das capacidades e potencialidades dos indivíduos.Além disso, esse indicador de algum modo sintetiza o conjunto de indicadores da área da saúde e salubridade (mortalidade infantil, mortalidade materna, acesso a água potável, coleta de lixo, esgotamento sanitário etc.).
Educação – Relacionada ao acesso ao conhecimento, essa dimensão expressa o potencial das oportunidades existentes para a tomada de decisões racionais ao longo da vida, para o alargamento das margens de escolha, para a conscientização política e cidadã e para o aumento da produtividade e do nível de rendimento pessoal e familiar. O índice dessa dimensão agrega dois indicadores: a taxa de alfabetização de pessoas maiores de 15 anos (que tem peso dois) e a taxa bruta combinada de escolarização nos três níveis básicos de ensino (com peso um) – ou seja, a proporção de pessoas no ensino fundamental, médio e superior em relação à população em idade escolar.
Renda – Enquanto as demais dimensões são simultaneamente um meio e um fim em si mesmas, a renda é um meio para medir a condição de manutenção de um padrão de vida digno, o acesso das pessoas a oportunidades e recursos econômicos (ocupação, emprego, renda, tecnologias, crédito, terra etc.). Para a elaboração desse índice usa-se o Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Em sua construção, adota-se o princípio dos retornos marginais decrescentes – que leva em conta a idéia de que R$ 1 extra de renda, quando a renda é de R$ 10 mil, por exemplo, não é um insumo tão importante para o desenvolvimento humano como o mesmo R$ 1 quando a renda é de R$ 100.
O IDH mundial tem caído nos últimos 15 anos, apesar dos esforços da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 18 países, somando mais de 460 milhões de pessoas, o IDH caiu, em relação a 1990, em meio a uma economia mundial cada vez mais próspera. O mundo deve assistir a morte de mais de 10,7 milhões de crianças que não deverão atingir o 5 anos de idade e também mais de 1 bilhão de pessoas em condições de absoluta pobreza, vivendo com menos de US$ 1,00 por dia.
Tal como disse Nelson Mandela em 2005: “A imensa pobreza e a obscena desigualdade são flagelos tão espantosos nesta época – em que presenciamos impressionantes avaços nas ciências, tecnologia, indústria e acumulação de riquezas – que devem classificar-se como males tão graves como a escravidão e o apartheid”.
Somente na América Latina são cerca de 190 milhões, sendo no Brasil cerca de 30 milhões de pessoas, vivendo com até US$ 2.00 por dia, o que, segundo o Banco Mundial, é a classificação de pobreza.
Somente na cidade de São Paulo cerca de 2,8 milhões de pessoas vivem em favelas. Cerca de 900 mil vivem nas ruas. Cerca de 800 mil vivem em cortiços.
No Vale do Paraíba, detentor de um dos maiores níveis de renda do país, cerca de 40 mil habitantes vivem em condições de miséria. Muitos vivem próximo a nossa casa, a escola de nossos filhos, a nosso local de trabalho.
Sabemos que esta realidade não pode continuar existindo, como também sabemos que não desenvolver ações que objetivem corrigi-la significa permitir que esta se agrave. Necessitamos urgentemente de novos quadros de referência, seja no plano sociológico, seja naquele político. Os desafios poderão ser vencidos se conseguirmos produzir mais e melhores tecnologias, mais e melhor desenvolvimento econômico, mais e melhor diferenciação funcional. E estas são algumas das condições para vencer o desemprego, a destruição do ambiente natural, o egoísmo social e assim por diante.
Quando o poder público e a iniciativa privada já não possuem forças para corrigir as deformações sociais na maior parte do planeta, resta à sociedade, unida a estes dois setores, se mobilizarem para fazê-lo.
Ao inserir valores e princípios de participação ética e responsável, as organizações produtivas e sociedade civil criam espaços de diálogo para garantir o verdadeiro alcance e limite de suas ações. Para Martin Buber (1982), a responsabilidade não é um dever desconectado da realidade concreta. Responsabilidade é um conceito que existe somente no domínio da vida vivida, quando há um responder verdadeiro àquilo que nos acontece, ao que nos é dado ver, ouvir e sentir. Para Buber, a responsabilidade pode ser compreendida como prestar contas daquilo que nos foi confiado.
A responsabilidade pressupõe a existência do OUTRO independentemente da minha vontade. E é a mim que esse ente dirige um apelo, uma presença-palavra que cobra resposta. A responsabilidade implica uma resposta à palavra a mim dirigida pela alteridade, pelo outro que não sou eu. De acordo com Freire (2005) o encontro entre pessoas que dialogam é mediatizado pelo mundo para pronunciá-lo e conquistá-lo e não para estabelecer relações de conquista ou de dominação. Nele, encontra-se presente o caráter que possibilita a superação da relação eu-tu, para constituir-se em um encontro de homens e mulheres que pronunciam o mundo e criam a partir dessa relação.
Aqui o que se coloca é a nossa visão de mundo, compreendida como uma janela conceitual, através da qual percebemos e interpretamos o mundo, tanto para compreendê-lo com para transformá-lo. Vamos retocando, ampliando e redimensionando esta janela, conforme a trajetória histórica da qual fazemos parte. Para Bartholo (2000), durante boa parte do trajeto histórico da civilização industrial, a racionalidade econômica subjugou o social, o cultural, o político e a natureza às conseqüências do desenvolvimento econômico, com um esquecimento freqüente de que, na verdade, a esfera das atividades econômicas é apenas uma parte das atividades humanas e, estas estão incluídas nas dinâmicas da biosfera.
Como garantir o sentido de responsabilidade no corpo social? Uma possibilidade é considerando a importância da formação do sujeito comunitário na perspectiva de sua autonomia e liberdade. É através dessa mudança de paradigma que o ser humano pode ser visto como fonte de criatividade e deve ser nutrido de experiências que resgatem valores individuais a fim de, posteriormente serem capazes de construir redes de colaboração e solidariedade para busca de soluções próprias e não advindas do governo ou das empresas. Possibilidade esta de instaurar um comunitarismo em que o respeito á comunidade, suas crenças, seus valores, suas possibilidades e limites tornar-se-ão a tônica da reconstrução permanente do tecido social.
Para Paulo Freire a participação tem a ver com o próprio “ser mais” característico de homens e mulheres. Não existe “ser mais” no isolamento do indivíduo. Homens e mulheres são seres dialógicos que realizam a sua natureza através da comunicação.
Sua intencionalidade em relação ao mundo é sempre co-intencionalidade que se realiza através da práxis. Por isso o nome de participação para Freire é engajamento pela humanização. O que não for isso é pseudo-participação. (Freire, 1981, p. 61)
Partindo de uma visão sistêmica, Assmann(2000) coloca a idéia de solidariedade como condição para a recriação da vida, desde as formas mais simples às mais complexas. O ponto de partida é o reconhecimento de dependência mútua não só entre os seres humanos, mas de tudo o que é vivo e não vivo:
O reconhecimento da interdependência entre todas as pessoas do mundo, entre todos os seres vivos e não vivos do planeta Terra e entre todos os corpos celestiais do universo nos faz ver que há uma interdependência objetiva, isto é, independente do nosso reconhecimento ou aceitação. É uma interdependência como um fato. Todos nós sofremos os efeitos positivos ou negativos do que acontece no sistema em que vivemos. (Assmann e Mo Sung, 2000, p. 81)
Depois de inventariar várias propostas de solidariedade, ele afirma que “solidariedade tem a ver com o modo de ver o mundo e a vida. Solidariedade é uma relação inter-humana fundamentada na alteridade, que pressupõe o reconhecimmento do/a outro/a na diferença e singularidade, atributos da alteridade.” (2000, p. 97)
Para Leonardo Boff, participação tem o nome de concriação. Trata-se no fundo da participação nos mistérios da existência, da qual brota uma profunda fraternidade entre todos os seres vivos e não vivos. A atitude diante de toda a criação é, portanto, de reverência e de compaixão por tudo o que tem sua existência ameaçada. A solidariedade deixa de ser uma atitude entre homens e mulheres, mas uma forma de sentir-se parte de uma frágil e bela teia de relações em perpétua criação de formas cada vez mais complexas e cada vez mais voltadas à interação. (Boff, 2000, p. 90)
O Estado e as organizações precisam ser entendidos como conceitos abstratos.É o ser humano o criador das coisas, responsável e sujeito dos diversos modelos de instituições.Sendo sujeito e assujeitado, deve assumir as contradições desse processo de criador e criatura e responsabilizar-se pela opressão e optar pela emancipação em seus projetos de vida e de mundo.Para manter o EU será preciso cuidar do sentido do Outro em sua existência. Aí nos deparamos com a atitude e postura cuidadosa e de compaixão na visão de Boff.
Observam-se projetos intitulados ‘Plantando o futuro’, ‘Cidadãos do amanhã’, ‘Despertando a ação sustentável’, ‘Aprender mais para ensinar melhor’, ‘Saúde e cidadania’ e dezenas de outros refrões que mostram o fortalecimento de um crescente movimento em torno da responsabilidade social.Devemos entender que o comportamento ético,porém é resultado da maturidade individual e coletiva. Maturidade esta relacionada ao respeito ao outro, ao diferente, independente de classe social, raça, cor ou religião.Não pode se constituir um modismo ou ter como fim o denominado marketing social.É preciso que os valores se modifiquem realmente a fim de garantir coerência e assumir a responsabilidade, não como título de ação, mas como base de comportamento com o Outro. Pois, o foco de qualquer ação deve estar voltado para a FELICIDADE das pessoas.Utopia? Sim, no sentido de construirmos sonhos a serem perseguidos.
Pensemos aqui o alerta colocado por Rousseau no seu Contrato Social permanece válido: “Quando alguém disser dos negócios do Estado: “Que me importa? – pode-se estar certo de que o Estado está perdido.” (Rousseau, 1983, p. 107).
É preciso um novo olhar que garanta a participação,pois precisamos fazer o nosso grande êxodo, atravessar o Mar Vermelho do mundo das exclusões para o mundo das inclusões, da realidade da repetição para a realidade da criação; importa atravessar o nosso rubicon que nos mantém na pré-história de nós mesmos, para irrompermos na terra prometida dos seres humanos entrelaçados por uma rede de vida, de sentido de colaboração, de diferenças que se complementam, construindo juntos o reino humano no qual a própria seta da criação ascende rumo a uma unidade orgânica e supremamente bem aventurada a que nós chamamos Deus. (Asmann,2000, p. 92)
Ao optarmos pela construção de um comunitarismo, em que a participação torna-se a tônica de todo processo social, há que se indagar acerca do conceito de “suficiência”. O que significa que cabe à comunidade identificar, valorar as insuficências e as faltas, o mínimo e o não desejável das coisas e serviços públicos, visando ao bem-comum a fim de traçar seus percursos de intervenção. O poder de decisão coletiva no movimento participativo impõe-se como condição sine qua non para tornar, pelo diálogo, as insuficiências como possibilidades de avanço, de superação. O sentido de ” suficiente” deve ser negociado, resolvido na dialogicidade das organizações próximas aos sujeitos que co-constroem o tecido social. Afastar-se das insuficiências, superá-las e aproximá-las do seu sentido contrário.Esta deve ser o caminho a ser adotado pelos sujeitos que vivem sua comunidade e que visam uma qualidade social de vida em que a suficiência faz-se provisória, histórica e, por isso, uma construção(luta) coletiva permanente .É a responsabilidade social assumida por todos e incorporada a um estar-no-mundo-com- o-outro, sempre.É o protagonismo social como compromisso de todos,pois ” Confira…tudo que respira, conspira.” Paulo Leminski.
Referências Bibliográficas
ASSMANN, Hugo e MO SUNG, Jung. Competência e sensibilidade solidária: Educar para a esperança. Petrópolis : Vozes, 2000.
BOFF, Leonardo. Princípio de Compaixão e Cuidado Petrópolis, Vozes,2001.
BOFF, Leonardo. A voz do arco-íris. Brasília : Letraviva, 2000.
BUBER, Martin. Imagens do bem e do mal. Petrópolis, Vozes, 1982.
DEMO, Pedro (2002). Solidariedade como efeito de poder Instituto Paulo Freire, São Paulo, Cortez.
____________.(1997).Conhecimento moderno. Petrópolis, Vozes.
DICIONÀRIO AURÉLIO DE LINGUA PORTUGUESA.SP, Record, 2001.
PAOLI, E. Marketing empresarial e responsabilidade social. RJ, Atlas, 2001.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. São Paulo : Martins Fontes, 1995.