O guardião constitucional há muito tem ocupado o noticiário jurídico previdenciário, já que recebeu e enfrentou diversas teses da área, colocando em derradeira análise a interpretação constitucional de intricados temas e consequentemente produzindo a unidade do Direito, aliás, uma de suas mais nobres funções.
No cenário previdenciário, essa efusiva atuação da Corte Maior tem ocorrido sistemicamente na contramão das expectativas dos beneficiários dos regimes previdenciários e também da comunidade jurídica especializada.
É que específicas teses ao chegar na Suprema Corte transpassam diversas instâncias jurisdicionais, com amplos debates a respeito, com assessoramento de pareceres, estudos, eventos e repercussões acadêmicas em volta das discussões exibidas em juízo.
Inobstante tal aspecto, ou seja, de que intrincadas temáticas chegam amadurecidas na Excelsa Corte, de outro lado e de forma surpreendente, por lá o resultado final tem habitualmente inovado em demasia quanto ao fundo do direito a ser discutido, além de costumeiramente divergir de forma diametralmente oposta a diversos outros entendimentos anteriormente consolidados pelos demais órgãos fracionários da jurisdição.
Assim o foi, por exemplo com a temática da Desaposentação em que o STF rechaçou a tese que se via proclamada em vários outros níveis do Judiciário Nacional, inclusive pelo STJ, aliás, esse o guardião da higidez da legislação federal, de onde se encontra o plano de prestações previdenciárias do RGPS, conforme artigo 18 da Lei 8.213/1991 .
Também o Tema n.1095 do STF acerca da possibilidade de extensão do adicional de 25% (vinte e cinco por cento) para beneficiários do sistema que necessitem de cuidados mínimos diários, como alimentação, vestuário, locomoção, etc. Aqui, o Judiciário nacional proclamava essa possibilidade em diversos momentos, até que o Tribunal Maior fulminou a tese por completo.
Estes alguns relevantes temas previdenciários, dentre outros diversos que encontraram na Suprema Corte sua inviabilidade jurídica em solo pátrio.
Na mesma direção o desfecho da mais recente e midiática tese previdenciária, àquela nominada pela doutrina como “Revisão da Vida Toda (RVT)”, no Tema 1.102 e que recentemente, entre idas e vindas, em diversas reviravoltas, de igual modo teve o mérito rechaçado pelo Tribunal Maior.
Curiosamente, essa mesma temática encontrou aceitação em diversos outros Tribunais, inclusive o próprio STJ no julgamento do Tema 999.
De novo, o mesmo trajeto final e o semelhante desfecho jurídico de inviabilidade anunciado pelo Tribunal Maior.
O fenômeno aqui informado e demonstrado pode e ser entendido por variadas perspectivas, algo que a presente reflexão não ousa enfrentar ou mesmo exaurir.
De certo que ocorre fundamentação jurídica coesa e hierarquicamente a ser observada, ante a posição da Suprema Corte como o tribunal maior da federação, contudo, não pode a comunidade jurídica acadêmica se curvar, tampouco retroceder nos debates e encerrar as discussões de vez.
A ciência jurídica e todos os seus meandros continua viva, estruturada e necessária para a compreensão e evolução dos temas, ainda que o STF em seus excertos finais promova a involução de forma colegiada.
A incompreensão de temáticas previdenciárias já juridicamente consolidadas podem promover um perigoso cenário de retrocessos, promover abalos institucionais, descrédito, involução e os perigos de que as teses foram extintas em face de pronunciamentos do Tribunal Maior.
Uma triste constatação para a sociedade e aos trabalhadores filiados no Regime Geral, os beneficiários do pacote de proteção idealizado no projeto de 1988.
Para Wagner Balera: “A previdência Social é uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego”.
Ora, assim sendo pouco há o que comemorar, não tendo o Tribunal Maior em reiterados temas atuado na mesma direção dos níveis de jurisdição inferior, desprezando o fato de que temáticas como a RVT, dentre outras promovem o aprimoramento da técnica previdenciária de proteção social, bem como confere concretude aos primados maiores de universalidade e cobertura do atendimento, notadamente quanto o espectro contributivo que se funda o sistema previdenciário e comprovado em demasia, como facilmente é detectado na Revisão da Vida Toda (RVT).
Logo, a bem da verdade ocorreu com a RVT a incompreensão jurídico-social, relevando o debate a números, estatísticas, balanços, projeções e outros itens econômicos que passaram a direcionar a Corte Maior no enfrentamento dos grandes temas previdenciários.
Foi a Revisão da Vida Toda (RVT) indubitavelmente mal compreendida e injustamente denegada nessas reviravoltas, onde perdeu-se a oportunidade de sua proclamação técnica e, por consequência, conferir vez e voz ao aguardado aprimoramento do sistema constitucional de justiça social, um sonho ainda distante de ser vivido pela presente geração, infelizmente.
Sérgio Henrique Salvador
Mestre em Direito Constitucional (FDSM). Pós-Graduado em Direito Previdenciário (EPD/SP). Pós-Graduado em Direito Processual Civil (PUC/SP). Professor Universitário. Escritor. Pesquisador. Advogado. Integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB/MG. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de professores brasileiros no “I Congresso Internacional de Seguridade Social” da Faculdade de Direito de HARVARD (EUA) em agosto/2019.