“Havia em Jerusalém uma porta tão estreita e tão baixa, que os camelos não podiam passar por ela sem que lhes fosse retirada toda a carga e, ainda assim, lhes era preciso abaixar-se e passar quase de rastos. Chamavam-na ‘Porta da Agulha’, daí vem o provérbio de que se serve Jesus: ‘Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. Digo-vos mais: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no Reino dos Céus.’ (Mt 19, 23-24).
É certo, pois, que os ricos que empreguem bem suas riquezas, conformando-se aos Mandamentos e à vontade de Deus, podem perfeitamente salvar-se. É o caso de lembrar que Nosso Senhor frequentava a casa de Lázaro, que era rico, e o considerava como amigo. E uma das figuras exponenciais em santidade do Antigo Testamento, o Patriarca Abraão, era não só rico, mas riquíssimo.
Tal é porém o apego dos homens aos bens desta terra – não só dos ricos, mas muitas vezes dos que pouco possuem – que desapegarmo-nos deles é um verdadeiro prodígio da graça, que só Deus pode operar.”
Na resposta do cônego, acho que ficou claro que as riquezas não são um mal em si, mas possuem o perigo de prender os corações dos ricos demasiadamente a elas. Quando isso ocorre – e, infelizmente, normalmente ocorre! – os afortunados deixam de salvar as próprias almas porque se fazem de surdos ao serem chamados para a construção do Reino de Deus. Portanto, todo aquele que não se despoja das afeições desregradas neste mundo e não busca um espírito de pobreza – o desapego de bens materiais -, dificilmente ganhará o céu.
Agora, você talvez reflita assim: ‘Eu conheço uma pessoa que só pensa em luxo e dinheiro. Essa, quando morrer, coitada!’ Mas, antes de julgar alguém, lembre-se que faz parte da sua missão cristã alertar as ‘ovelhas desgarradas’ do mal que lhes espera se continuarem fora dos caminhos do bem, da verdade e do amor. E não pense que isso é impossível, porque muitos ‘poderosos’ se converteram e perseveraram na fé até ganharem o céu.
De nada adianta ficarmos olhando as pessoas ostentarem o falso poder que julgam ter sobre os pobres e, ainda, sentirmos pena do castigo que lhes espera após a morte; é preciso acreditarmos que podemos influir nas mudanças que Deus quer operar em suas vidas. Quando os discípulos perguntaram: “Quem, pois, pode salvar-se? Então, Jesus, olhando para eles, disse: ‘Para os homens isto é impossível, porém não para Deus, porque a Deus todas as coisas são possíveis.’ (Mc 10, 26-27).”
Sabemos que a fé e a caridade nos encaminham para a salvação, mantendo acesa a chama da esperança em nossos corações – que nos leva a buscar as graças necessárias para perseverarmos no amor de Deus. Como ninguém já nasce com fé, é preciso continuarmos crescendo espiritualmente através da oração e da caridade para honrarmos o sacramento que recebemos no batismo – fomos abençoados como: filhos de Deus, filhos da Virgem Maria e irmãos em Cristo.
“Sem a fé é impossível agradar a Deus”, disse São Paulo (Heb 11,6). Consciente disso, hoje recordo que meus avós paternos passaram a ser pessoas de muito mais fé cristã alguns anos após terem perdido toda a fortuna que possuíam! Eu acredito que ganharam o céu devido a essa providência de Deus em suas vidas, embora na época tenham sofrido bastante. Contudo, tendo crescido na fé, valorizaram mais os bens espirituais e passaram pelo fundo da agulha. Por isso é que peço ajuda ao Pai e à Mãe Santíssima para eu sempre saber repartir o pão e nunca me arrepender de ter tido alguns bens materiais nesta vida.
Contam que uma pobre senhora entrou num rico armazém e pediu que lhe pesassem cinquenta centavos de feijão para levar de almoço aos filhos. Vendo que a mulher não tinha mais dinheiro, o comerciante ainda brincou na frente de todos: ‘Tem certeza que é só isso o que deseja?’ Apesar da humilhação, ela educadamente respondeu: ‘Sim, senhor, vou comprar o que Deus permitir que eu leve.’
Ao pesar o feijão, o proprietário percebeu que o saco ficou quase cheio, mas, conferindo o marcador da balança, entregou-lhe o pacote. Somente algum tempo depois que a senhora saiu é que o comerciante constatou que a sua balança havia quebrado, ficando furioso por perder parte do seu precioso feijão. Certamente, se lhe tivesse dado de coração um pouco mais além do peso, não lhe faria falta e o ajudaria a entrar no céu.
Não há loucura maior do que trocar a salvação da alma pelas coisas deste mundo. Pena que muitos ricos não enxerguem isso!