Outro dia vi no Face uma dessas postagens prontas que falava aos pais para não se preocuparem tanto com o futuro acadêmico de seus filhos, mas sim em ensinar-lhes a honestidade, a compaixão, a delicadeza do acolhimento.
Quando vejo um bebezinho desses de dias apenas, dormindo placidamente e já sorrindo, ou mamando sofregamente no peito da mãe, eu me pego pensando: ai meu Deus! Que mundo espera este ser? Ou o que esta criaturinha vai ter que encarar nesta vida tão competitiva? Pois é. O bebê não sabe, mas desde bem cedo ele vai enfrentar a fila, a luta, a lida, o ringue, vai aprender a duras penas que passados pouquíssimos anos de sua doce vidinha, já irá para a escola, aquele lugar onde vai se socializar, ou dizendo de outra maneira, vai descobrir em qual das turminhas ele se encaixará melhor, ou menos pior. Vai gostar mais de alguns, menos de muitos. Bem-vindo cara! Esta é a sua vida. Bem-vindo ao inferno que são os outros, ops, bem-vindo ao universo capitalista competitivo. Agora não é nada, espera só e você vai ver mais tarde!
E logo ele vai descobrir que precisa dar certo na vida porque todos esperam que ele dê certo na vida. Vai ter que tirar 100, vai ter que passar nos primeiros lugares em qualquer curso ou concurso por aí, mas vai ganhar aquela faixa que os pais botam na frente da casa: Parabéns fulano, 1º lugar em tal Universidade, em outra e naquela outra. Isso pode parecer uma coisa boa, contudo esta faixa talvez se torne mais um complicador para suas esperadas futuras vitórias, talvez só sirva para os vizinhos saberem que seus filhos não são tão bons como aquele jovem. Ele vai ter que batalhar aquele emprego sonhado por muitos, vai ter que fazer bonito, vai ter que ganhar dinheiro, muito dinheiro, vai ter carrão importado. Depois vai ter seus próprios filhos e vai ensiná-los como vencer na vida, enfim, como dar certo na vida!
Mas nem sempre damos certo na vida. Às vezes as coisas fogem do nosso controle. Fazemos tudo que está no manual e dá errado. Não adianta seguir uma regra porque as regras são tão quebradas desde que o mundo é mundo. Minha mãe costumava dizer que nunca quis que os filhos tirassem nota máxima, que ser mediano já estava de bom tamanho, dizia até que sentia medo de filho prodígio. Nunca fomos alunos excepcionais, nem pessoas bem sucedidas da forma como a sociedade ou o mercado exigem, afinal, dar certo na vida segundo os padrões atuais pode ser um martírio.
Afinal, o que é de fato dar certo na vida? Talvez as coisas devessem mesmo dar mais errado pra a gente ser feliz! Pra gente poder contrariar o sistema, contrariar os ditames tidos como certos. Conheci gente que não estudou e foi e é feliz e bem sucedido. Conheci quem brilhou nas escolas e depois empacou. Meu marido me contou que viu o depoimento de uma mulher que trabalhava numa empresa poderosíssima, mas tomava medicamentos o dia todo, aí um dia largou tudo, foi pra roça, pra roça mesmo. Aprendeu a plantar, a colher, e hoje não toma nadica de nada.
Dar certo na vida? Eu poderia hoje ganhar mais do que ganho, bem mais, se eu não tivesse saído daquele emprego, mas aí também eu não teria feito as outras coisas que fiz, não teria conhecido tantas outras pessoas fabulosas, não teria me deliciado com tantos saberes e sabores degustados nos livros incríveis que eu devorei, não teria aprendido a escrever sobre o que eu sinto e o que eu penso. Passaria a vida toda sem saber que eu era capaz de fazer um poema. Já pensou?
E novamente me pego refletindo: Que se dane o certo na vida! Por que não colocamos faixas pregadas na frente de nossas casas, tipo: “filho, eu te amo! Sinto o maior orgulho em ser sua mãe, seu pai, sua tia! Você é um tesouro para mim”. Sem necessariamente que ele tenha tirado a nota máxima, conseguido entrar em primeiríssimo lugar na universidade sonhada, ganhado aquela bolsa de estudos na Finlândia, Canadá ou qualquer outro lugar elegante. Fazer uma faixa assim, simplesmente: e u t e a m o p o r q u e t e a m o !
*Autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia e Na casa de minha avó. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.