Qualquer cidadão pode se transformar em doador de órgãos e tecidos após ser diagnosticado com morte encefálica, desde que a família autorize. No entanto, entre 1997 e 2001, vigorou legalmente no país a doação presumida, pela qual todo brasileiro era considerado doador, a menos que optasse por registrar vontade em contrário em documento pessoal de identidade.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), esse segundo modelo pode ajudar a salvar mais vidas, aumentando a oferta de órgãos e tecidos para fins de transplantes e outras terapias. Por isso, ele propõe que a Lei de Transplantes (Lei 9.434/1997) volte a adotar a doação presumida, a exemplo do que acontece em outros países, como a Espanha, considerada modelo na área de transplantes.
Projeto do senador (PLS 405/2012) com essa finalidade tramita na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A partir de agosto, a comissão deverá ser realizada audiência pública para que a sociedade seja ouvida sobre a proposta, conforme sugestão do relator, senador Paulo Davim (PV-RN).
Quando foi adotada no país, por meio da Lei de Transplantes, a doação presumida causou controvérsias e reações. O desfecho foi a modificação do texto, mediante a aprovação da Lei 10.211/2001. A partir de então, para que seja possível a remoção de órgãos de pessoa falecida, passou a valer a exigência de autorização do cônjuge ou parente maior de idade, de até segundo grau.
O autor da proposta enxerga no sistema da doação presumida uma solução de curto prazo para o problema da carência de órgãos para os transplantes. Segundo ele, a medida tem “caráter altruísta e está amparada em preceitos éticos e de solidariedade humana”. A seu ver, não é incompatível com a ordem constitucional e se harmoniza com a cultura de solidariedade do povo brasileiro.
Humberto Costa reconhece que houve aumento de transplantes no Brasil nos últimos anos. Observou que foram realizados 23.397 procedimentos em 2011, mais do que o dobro em relação a 2001. Porém, afirma que a lista de espera por um órgão é muito grande e tende a crescer ainda mais, sobretudo por falta de doadores, o que justificaria a reabilitação do sistema anterior.
Humberto Costa também argumenta que a doação presumida não obriga ninguém a doar, pois todo mundo poderá exercer o direito de manifestar vontade em contrário. Com sua previsão em lei, entende que o efeito positivo é “estimular o debate” e, desde cedo, levar cada um a tomar posição sobre quanto a ser ou não um doador de órgãos, já que “a omissão implica concordância”.
Pelo projeto, a pessoa que não quiser ser enquadrada como doadora deverá solicitar a gravação da expressão “não doador de órgãos e tecidos” em documento público de identidade válido em todo território nacional, por meio de gravação “indelével e inviolável”.
Outro dispositivo prevê solução para o caso de a pessoa possuir mais de um documento válido, com gravação da manifestação de vontade em sentido divergente um do outro. Nessa hipótese, prevalecerá a gravação que tiver sido feita mais recentemente.
Ainda pelo texto, a doação presumida não poderá ser aplicada quando a pessoa não possuir documento público de identidade. Diante disso, caberá à família decidir sobre a doação ou não dos órgãos, tecidos ou partes do corpo do falecido.
Antes de pedir a audiência para debater o tema, Paulo Davim, o relator, chegou a apresentar um primeiro relatório para orientar o debate da matéria. No documento, ele se opunha à proposta do colega. Apesar do número insuficiente de doações no país, ele questionava se a doação presumida era a medida mais adequada para o problema.
A seu ver, a medida não surtiu o efeito esperado enquanto vigorou. Ao contrário, disse que houve “um clima de pânico na população e resistência de diversos segmentos”. Médico, assim como o autor da proposta, ele destacou as reações em contrário da própria classe. Segundo ele, os médicos se recusavam a realizar a retirada de órgãos de pessoas falecidas sem a concordância da família.
Ainda de acordo com Davim, no país ainda há muitos analfabetos e pouca gente com bom acesso a informações. A seu ver, isso também prejudicaria a capacidade de boa parte das pessoas para expressar com segurança sua vontade de ser doador.
A opção inicial do relator foi pela apresentação de um texto substitutivo destinado a assegurar o atendimento de quem, ainda em vida, manifestou formalmente o desejo de ser doador de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo. Na ausência dessa manifestação, passa a prevalecer a decisão da família, nos termos da legislação atual.
Um projeto com a mesma solução do substitutivo já havia sido anteriormente apresentado pela senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), como informa o relator. Porém, o PLS 408/2005 foi arquivado ao fim da última legislatura, sem ter sido apreciado.
Depois da conclusão do exame na CDH, a proposta de Humberto Costa passará ainda por duas outras comissões: a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A decisão final será em Plenário.
Fonte: Agência Senado