Seus livros contam histórias fantásticas, e ele sempre conferia aos personagens que criava a alma de sua gente, sabendo revestir essas histórias de um lirismo que só os gênios conseguem fazê-lo ao apreender a poesia encerrada na vida humana. O escritor dizia sempre que não havia uma só linha de sua escrita que não tivesse como ponto de partida a realidade, pois ele se queixava de sua falta de imaginação. Num artigo de Eric Nepomuceno li que em seu discurso quando ganhou o Nobel de Literatura, em 1982, o escritor explicou que realidade é essa que ele retratava: “Não a que está no papel, mas a que vive conosco e determina cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas, e sustenta um manancial inesgotável de criação, pleno de desdita e de beleza”.
Assim ele nos apresentou em sua obra-prima “Cem Anos de Solidão”, uma das obras mais lidas e traduzidas no mundo inteiro, a obstinação de José Arcádio Buendía, sempre fascinado ou enfeitiçado com suas conjeturas maravilhosas no meio de funis, filtros e alambiques adquiridos do misterioso cigano Melquíades, e que entulhavam seu rudimentar laboratório.
Também falou de amores loucos e eternos como o de Florentino Ariza por Fermina Daza em “O amor nos tempos do Cólera”. Uma paixão febril tão avassaladora capaz de atos extremos como se empenhar em resgatar o tesouro de um galeão submerso para oferecer à amada ou simplesmente de adquirir um espelho de uma pousada porque através dele pôde admirar Fermina Daza que ao fundo jantava com outras pessoas.
Por essas obras belíssimas e inúmeras outras, Gabo, como era carinhosamente chamado, alcançou glórias e mais glórias. Merecidíssimo. Teve mais de 40 milhões de livros vendidos em 36 idiomas. Mas um dado interessante quanto ao número de livros é que o autor integra um grupo estranho e especial: está entre os 20 autores que tiveram mais livros roubados ao longo da última década do século XX em bibliotecas públicas dos Estados Unidos!
Gabriel García Marquez morreu. O gigante de Aracataca tombou, mas tal como Melquíades, o lúgubre cigano que enfeitiçou Buendía com sua amizade e seus apetrechos maravilhosos, o escritor nos enfeitiçou com seus livros e contos, deixando-nos um legado de obras espetaculares, aguçando nossa curiosidade e nos incitando a driblar a solidão e desesperança de nossos dias, e perseguir o sonho de avançar contra uma realidade hostil e transformá-la.
“Nunca, em nenhuma circunstância, esqueci que, na verdade da minha alma, não sou nem jamais serei ninguém mais que um dos dezesseis filhos do telegrafista de Aracataca” (Gabriel García Márquez) |
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