Mais um verão e muitas tragédias. Na região serrana do Rio, o inimaginável e inacreditável aconteceu. Em Itajubá, como em outras cidades do sul de Minas e São Paulo, alagamentos, medo e tensão pelas insistentes chuvas da temporada. Não há como não acompanhar pela televisão e internet as incríveis cenas de devastação das cidades de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, lugares que parecem varridos por tsunamis que não vieram do mar, mas do céu. Também não há como não se emocionar com as tristezas das famílias, com salvamentos impossíveis que fariam inveja a produtores e dublês de filmes norte-americanos e não há mesmo como não se emocionar com a velha solidariedade das pessoas.
Na televisão, proliferam as entrevistas e debates com pessoas especializadas em prevenção de catástrofes, em preservação da natureza, em remanejamento de pessoas que vivem em áreas de risco, especialistas em clima e solo. Exibem planos, mapas, relembram tragédias anteriores, argumentam, apontam o descaso das autoridades, enfim, vale dizer que já vimos esse filme. Só que dessa vez a tragédia sobejou horrores e nos assustamos com a possibilidade de catástrofes ainda maiores e piores para os próximos anos, pois o próprio governo admite despreparo em tragédias. Afinal, de quem é a culpa? Por certo não é da natureza, que segue indiferente cumprindo seu papel.
Num desses debates ouvi uma fala que repito. Argumentava o cidadão que há muito se costuma dizer: “o rio aumentou tanto que passava pelo meu quintal…” No entanto, “o rio não passa”, complementava o especialista, “pelo quintal de ninguém, nós é que invadimos o quintal do rio”. É verdade. Aí chegamos ao ponto das ocupações irregulares. Pois é, se pelo caminho da lama que desceu da serra não houvesse casas, não teria havido mortes. Os bairros atingidos eram os mais próximos das encostas. A questão é complexa, são vários os aspectos a serem considerados: a população aumentou, as leis têm que ser mudadas, as pessoas carentes não têm poder aquisitivo para construir em regiões nobres, não digo nobres, mas seguras. E, é claro, em nosso país não faltam políticos corruptos que adoram tirar proveito desse tipo de situação. É oportuno lembrar que os ricos também constroem onde bem entendem e que é mais fácil tirar os pobres de suas casas humildes do que os ricos de suas mansões.
É comum ouvir a frase: “sair daqui para onde? Não temos para onde ir” e permanecem, mesmo com risco de perder a casa e mais do que qualquer bem material, a própria vida. Mesmo aqueles que já passaram por desmoronamentos e enchentes, relutam. É compreensível, quem aceitaria essa situação com disposição e naturalidade? E se fosse comigo? Com você? O lugar onde se vive tem história, cada um sabe da sua. Lidar com o drama individual de cada família não é tarefa simples. Faz lembrar uma obra de Tolstoi em que o protagonista é um jovem príncipe de bom coração que decide consagrar sua vida inteiramente aos camponeses de sua aldeia. Entretanto, ao colocar em prática seus nobres ideais depara-se com as mais diversas dificuldades e ao final ele conclui que os camponeses estão mais felizes como estão do que ele próprio e que seus nobres ideais não passavam de sonhos pueris.
Tolstoi à parte, a situação atual não é romance, não é ficção, é real. O trabalho de remoção das pessoas em área de risco é difícil, quase um “trabalho de Sísifo”, mas tem que ser feito. Não é apenas questão de dinheiro, é um trabalho que, sobretudo envolve sensibilidade, que implica conhecer a história de cada pessoa, de cada família. Mesmo que dure uma vida inteira, urge começar este desafio. O bem mais precioso continua sendo a vida.