Convidada pela Cuiddy Home Care para uma palestra no Auditório da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz, fiz ontem meu relato de experiência como filha de uma mulher excepcional que foi acometida pela demência. Hoje faz nove anos que minha mãe morreu.
Registro aqui alguns trechos:
Minha mãe foi uma mulher excepcional, de rara genialidade, uma mulher extraordinária (usando seu adjetivo preferido), uma canhota das boas, enfim, uma dessas mulheres que nascem com asas e ânsias. Chegado o entardecer da vida, ela se sentiu tolhida pelas dificuldades, pela caminhada espinhosa e foi vencida por uma doença muito triste.
A inexatidão da vida faz a demência fugir à regra como toda qualquer doença. Fazemos tudo direitinho, comemos alimentos que são bons para o cérebro, fazemos exercícios mentais, exercícios físicos, mas nada nos garante que escaparemos incólumes às doenças. Ainda assim cumprimos o que conhecemos para ter uma velhice sadia e alegre porque assim é que tem que ser. A demência sempre avisa, mas não temos olhos nem ouvidos para perceber. Alguns comportamentos estranhos podem parecer apenas simples manias. Há sempre um gatilho que dispara a demência. Pode ser uma cirurgia na idade avançada, um trauma, uma perda. Com a minha mãe, foi a enchente de 2.000. E três anos depois, com a morte de meu pai, a demência chegou como senhora absoluta.
A demência nunca poderá ser algo de bom, nenhuma enfermidade é. Porém, particularmente, esta fase da vida de minha mãe proporcionou a mim e a ela própria a possibilidade de resgatar a ternura que quase nunca existiu entre nós anteriormente. O livro “Demência: o resgate da ternura” foi meu primeiro livro. Depois dele vieram mais quatro livros e tenho mais três na fila. Também os poemas vieram, um a um, o que para mim foi uma surpresa e tanto! Penso que a ternura que minha mãe e eu compartilhamos, fez vir à tona todas as minhas potencialidades até então não vivenciadas. Também não posso deixar de considerar o papel do sofrimento e aprendizado durante o período de sua doença. Tudo é precioso. Deus transforma o mal em bem.
Meus agradecimentos à Cuiddy pela oportunidade de falar. Tenho sempre muito a dizer.
Para você, Mãe, que hoje voa nas alturas celestiais, quero dizer que tenho usado minhas asas e que tal como as suas, elas estão crescendo mais e mais. Afinal, quem nasce com asas tem que alçar voo.
Aposentada, Misa descobriu o prazer da literatura e passou a escrever contos e crônicas. É formada em Letras pela FEPI Centro Universitário e pós-graduada em Literatura pela Unitau. Escreveu e publicou os livros: Demência, o resgate da ternura (autobiográfico) /Santas mentiras (Crônicas) /Dois anjos e uma menina (infantil) /Estranho espelho e outros contos, além da coluna “Verbo Inverso”.