Era Natal e todo ano as primas da fazenda iam à Aparecida do Norte para agradecer à Nossa Senhora por todas as graças recebidas.Passaram dois dias por conta da viagem, afinal o melhor da festa é esperar por ela. Era só arrumação de todos os lados. A Nicota arrematando um vestido estampado de última hora, a Sebastiana cozinhando os frangos que iam levar, preparando a farofa. Não se falava em outra coisa. Depois do almoço, ficaram um tempão papeando à toa, fazendo os planos para a viagem.
A Conceição estava meio acabrunhada, ninguém conseguia entender o porquê, até que ela falou, “meu sapato tá muito ruim, não vai dar pra ir com ele, eu tava com uma vontade danada de comprar um novo, acho que vou na cidade”. A Maria implicou, “que bobagem, gastar dinheiro com sapato, imagine se a Ceição não tem sapato bom pra ir, gente? Se ainda fosse eu”. Mas todas as outras primas deram a maior força, “isso Ceição, vai sim, mais vale um gosto que um tostão no bolso”.
Na véspera da viagem para Aparecida, a Conceição levantou de madrugada, desceu a montanha, louca pra chegar à cidade e procurar um sapato novo na loja do seu Ari. Seja tudo pelo amor de Deus! Na véspera, à noite, quem falou que conseguiam dormir? Era excitação pura, risadaria. Pensaram até em emendar, ficavam sem dormir conversando, era tão bom! Mas não convinha, era perigoso de dar um sono louco depois do almoço lá em Aparecida.
A Ceição não aguentava de vontade de estrear o sapato, foi lá no quarto buscar e ficou desfilando com ele, amaciando de um lado e de outro, fazendo inveja em todo o mundo. A Maria implicou novamente, “nem bem morto, já esfolado … capaz até de dormir com ele”. Já faziam planos para ver quem confessaria primeiro. Quando decidiram dormir, passava das duas da manhã. Já tinham tomado bastante leite com goiabada dentro do copo. “Cê me chama, Maria? Pode deixar, Nicota. Com Deus, com Deus …”
No dia seguinte, de madrugada, desceram todas com sacolas e risos debaixo do braço. Ainda estava escuro, cheio de estrelas no céu. Chegaram até na porteira que dava para a estrada e lá ficaram esperando o ônibus fretado para ir pra Aparecida. Seu Joaquim ficou de pegar o pessoal do Silvério primeiro, depois passavam lá. Só dos Silvério davam uns quinze, dos Ferraz uns dez, mais todas elas, enchia o ônibus. Ai que gostosura, iam rezando o terço, depois cantavam, depois faziam graça. Valia a pena esperar por essa viagem. E tá que esperam e nada do seu Joaquim apontar lá na curva.
O dia já tinha amanhecido, a impaciência começou a crescer. “Uai, gente, que será que houve? Não pode ter havido nada, senão eles já tinham avisado”. A Nicota de vestido estampado novo, a Ceição, que nessas alturas estava com saudades do sapato velho, o novo dava mostras de apertar do lado. Mais de sete horas da manhã, não é possível. Até que enfim ouviram um barulho, mas não era do ônibus, era da motor do Geraldo que vinha à toda. Chegou e avisou, “gente, não vai dar, a sogra do Joaquim empacotou agora de madrugada, a viagem fica pro ano que vêm”. Não dava pra acreditar, até que bateu um remorso por ninguém sentir a morte de Dona Candinha, a tristeza era pela viagem que não iam mais fazer. Fazer o quê? Deram meia volta e tornaram à fazenda, todas cabisbaixas, murchinhas, suspirando fundo, a Ceição com os sapatos na mão.
A Maria quebrou o silêncio, “fizeru eu tomá banho à toa…”