Minha mãe e eu estivemos ao seu lado todo o tempo, e eu pude passar as noites dentro do hospital, dormindo no quarto do plantonista.
Gentileza dos colegas.
Várias coisas assombrosas aconteceram durante estes vinte dias; inda bem que eu já tinha me habituado a aceitar o misterioso que existe nestas situações extremas, e assim não me choquei. Pelo contrário: agradeço até hoje por ele ter continuado a se comunicar conosco, mesmo em coma profundo!
Quem já viveu muito intensamente a companhia de alguém que está morrendo, sabe do que eu falo.
E que ninguém se assuste: não são fantasmas… É apenas amor e generosidade de quem parte, nos contando o que está vivendo e nos preparando para o adeus!
E nos dando a chance de fazer um curso de pós graduação sobre a morte, e de graça, nos preparando prá nossa, como diz o Dráuzio Varella num de seus livros.
Numa tarde estávamos mamãe e eu, cada uma de um lado da cama, segurando as suas mãos inertes. Ele estava imóvel, sem nenhuma reação há muitos dias; estava na fase mais profunda do coma, o que na maior parte das vezes anuncia a irreversibilidade da doença.
Ele recém saíra da cirurgia onde tivera as duas pernas amputadas sem que nós duas, mamãe e eu, tivéssemos autorizado.
De repente, de maneira surpreendente e inesperada, ele abriu os olhos e moveu lentamente a cabeça primeiro para o lado onde estava a mamãe, depois para o lado onde eu estava. Para não deixar dúvida, fez isto várias vezes.
Parava o movimento da cabeça por algum tempo, os olhos fixos ora na mamãe ora em mim.
Depois de nos “olhar” muitas vezes, uma lágrima correu pelos seus olhos.
Ninguém nunca conseguiu me convencer de que estes foram apenas movimentos reflexos de alguém em coma profundo.
Há tanta coisa que a ciência não nos ajuda a entender…
Naquela tarde ele morreu.
Mamãe guarda até hoje o lenço com o qual secou as lágrimas de despedida do papai!
Psiquiatra e Psicoterapeuta Junguiana, Professora de Tanatologia e Cuidados Paliativos na FMIt, co-autora e co-tradutora de livros na área de Tanatologia e Cuidados Paliativos. Veja sua coluna “Do Divino que há em nós”.