O sistema previdenciário nacional é por demasiadamente complexo, abrangente e heterogêneo, afinal, aderiu-se a uma programação constitucional de bem-estar, conforme leitura do artigo 194 do Texto Maior de aplicabilidade extensa à todos da nação, sob as mais variadas relações previdenciárias.
Neste cenário, também a alocação da Previdência Social enquanto genuína técnica protetiva, mas uma proteção diferenciada de seus partícipes, vale dizer, um abrigo constitucional que visa entregar a Justiça Social.
Wladimir Novaes Martinez acentua que:
“É a técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte – mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes”.
Pois bem, aqui o desejo constitucional, a arquitetada vontade de todos desde o horizonte de 1988, vale dizer que o sistema previdenciário funcione de tal modo a bem atender seus destinatários em momentos de infortúnios e extrema necessidade.
Em que pese a programação previdenciária nacional ser hígida e bem arquitetada, a bem da verdade se vê atualmente com grande distanciamento de seus sujeitos, notadamente quanto a eficácia de sua atuação no momento vigente de variadas crises institucionais.
Não somente as generalizadas crises política, econômica e sanitária, outra se destaca, a crise institucional previdenciária e que vem fragilizando sobremodo o ideário da proteção social do sistema brasileiro de previdência.
De fato, o cenário nacional da política de proteção previdenciária está em colapso, um verdadeiro caos institucional sem precedentes e em larga escala, com ausência de soluções a curto e médio prazo.
Vive-se uma excessiva judicialização; a enorme fila de atendimento; a falta de servidores; a insegurança jurídica pelas constantes reformas; dentre outros nevrálgicos aspectos que apontam para um sistema cada vez mais inconfiável, inseguro e distante das premissas constitucionais.
Em meio a esta turbulência previdenciária a emergente tese doutrinária do dano moral previdenciário tem se destacado, notadamente quanto a seus efeitos pedagógicos, além do intento de correção de rotas, compensação, tentativa de aperfeiçoamento do sistema e o restabelecimento de relações jurídicas.
De origem doutrinária, tem esta tese encontrado vida e se tornado cada vez mais sólida no Judiciário com reiterados precedentes, mostrando o relevo da intervenção judicial para restabelecimento e proteção de direitos, sobretudo àqueles qualificados como fundamentais.
Neste sentido, vale o registro de um recente precedente da 05ª Vara Federal Cível do Pará que condenou o INSS em uma indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 em virtude do atraso na análise de um pedido de aposentadoria de um senhor que veio a falecer, atraso esse de mais de seis anos.
Outro valioso entendimento judicial que inclusive invocou a Lei Geral de Proteção de Dados condenou o INSS a indenização por danos morais no valor de R$ 2.500,00 pelo vazamento de dados pessoais de uma pensionista sem a sua autorização o que gerou um grande assédio de instituições bancárias, aliás, algo corriqueiro na vida dos aposentados e pensionistas do INSS.
Também, de destaque um recentíssimo precedente da Justiça Federal do Rio de Janeiro que condenou o INSS em danos morais por erro grosseiro dos servidores quanto aos dados pessoais de um pensionista, além de demorar 18 meses para uma simples retificação interna, apesar das várias tentativas da parte interessada.
Vale o registro de parte da fundamentação deste julgado:
“Apesar dos três requerimentos, o réu só emitiu nova carta de concessão de pensão por morte, com o nome correto do beneficiário em 23/6/2021, cerca de dezoito meses depois da data do primeiro requerimento de retificação do erro. 7. Assim, embora “errar” seja da natureza humana, na conhecidíssima expressão atribuída a Santo Agostinho “Errare humanum est, perseverare autem diabolicum”, no caso concreto, os servidores do INSS cometeram erro grosseiro por absoluta falta de cuidado na simples leitura da certidão de nascimento do autor Gabriel Linhares Barcelos, além do que demoraram cerca de dezoito meses para a correção do erro, em concessão de benefício de pensão por morte a menor absolutamente incapaz. Desse modo, é evidente o dano moral sofrido pelos autores, no caso concreto, em especial pela natureza alimentar do benefício de pensão por morte devido a autor absolutamente incapaz (Gabriel Linhares Barcelos), por culpa exclusiva do réu. Tal fato, certamente, gerou angústia e sofrimento aos autores. Ademais, não se deve desconsiderar o fato de que houve tentativas frustradas – geradoras de evidente desgaste psicológico – de solução administrativa do problema. 11. Caracterizados, então, o dano moral sofrido pelos autores, a prática de ato ilícito pelo réu (servidores do réu) e o nexo causal entre o dano e o ato praticado, o que impõe ao réu o dever de indenizar os autores”.
Assim e aqui o registro de apenas três recentes decisões relevantes que acolheram o dano moral previdenciário como modo de correção da atuação do pacto previdenciário, visando compensar os beneficiários, além de tentar trazer equilíbrio a relação jurídica do regime geral.
Vive-se, por certo, um ambiente de crises, contudo, o dano moral previdenciário tem-se mostrado uma rota jurídica acertada e válida para o momento presente, de modo a dar concretude ao primado maior da dignidade humana, especialmente em um sistema que visa conferir a entrega de prestações pecuniárias de evidente natureza alimentar, portanto, existencial.
Por certo que é uma das teses que mais cresce na comunidade jurídica previdenciária, apta para compensar os reiterados desmandos do sistema e com uma perspectiva também pedagógica de que a sociedade precisa buscar alternativas para esta institucional crise, pois, na permanência deste quadro a derrota social é de todos!
Sérgio Henrique Salvador
Mestre em Direito pela FDSM. Pós-Graduado pela EPD/SP e PUC/SP. Professor Universitário (graduação, pós-graduação, cursinhos preparatórios e extensão/atualização jurídica). Escritor com mais de 15 livros publicados em várias editoras. Ex – Conselheiro da OAB/MG (23ª Subseção). Advogado em Minas Gerais. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de pesquisadores brasileiros no “I Congresso Internacional de Seguridade Social” da Faculdade de Direito de HARVARD (EUA) em agosto de 2019.