Quem quer que seja o morto faz sempre falta, percebida ou não, para a ordem do mundo. Mesmo os mais invisíveis, os mais inúteis, os mais cruéis, ocupavam o seu lugar no mundo e eram importantes para alguém.
O acidente com um Boeing 777 da Malaysia Airlines sobre a Ucrânia, quando ia de Amsterdã para Kuala Lumpur no último 17 de julho, foi um dos mais chocantes da atualidade.
Não que tenha sido o único, ou mesmo aquele com o maior número de vítimas da história da aviação mundial. Aliás, a mesma companhia já perdera um outro avião e muitas vidas há cerca de quatro meses, num dos mais misteriosos acidentes aéreos dos últimos tempos.
Com seus 298 mortos, não foi o que mais matou. Entretanto, pelo menos dois fatos fazem desta última, uma perda particularmente chocante.
Mais uma vez a insanidade dos homens se mostra, como se fôssemos bestas pré-históricas! O avião, com 298 civis a bordo, foi abatido por um míssil. Quem o violentou, qual dos lados da estupidez da guerra contabiliza agora as vítimas?
Importa isso?
Outro fato cruel e vergonhoso se apresenta: entre as 298 vítimas estavam cerca de 100 profissionais de pesquisa de ponta sobre a AIDS, indo a um Congresso sobre a doença em Melbourne, na Austrália.
Nunca chegarão lá. Nunca se saberá o que cada pesquisador reservara para comunicar aos colegas. Nunca se farão as parcerias que se fazem nos Congressos e que compartilham o conhecimento de forma aberta e generosa, que impulsionam a Ciência para mais e mais conquistas, essas para a vida…
A morte é inevitável, é verdade. Mas a morte antecipada, não programada, a morte inútil das tragédias evitáveis fere a ordem da vida, agride a alma e nos envergonha de sermos humanos.
A morte que chove dos céus qual um castigo celeste, os corpos que ficam inertes à espera de quem os cubra, senão por carinho ao menos por pudor, essa morte não pode ser aceita sem revolta!
Nenhum desses mortos fora do tempo poderá ter as suas cinzas repousando na terra, sob um ipê amarelo, por exemplo, como o nosso Rubem Alves terá!