“Quantos mais vão precisar morrer pra que essa guerra acabe?”, questionou, pelo Twitter, a vereadora Marielle Franco (Psol), 38 anos, um dia antes de ser assassinada. Na noite de ontem (14), ela voltava de um evento chamado “Jovens negras movendo as estruturas”, na Lapa, e seguia para casa, no bairro da Tijuca. Na esquina de Rua Joaquim Palhares com João Paulo I, no Estácio, região central do Rio, teve o carro emparelhado por outro veículo, de onde partiram os tiros. Ela e o motorista, Anderson Pedro Gomes, de 39 anos, que também foi atingido, morreram na hora. A assessora dela, Fernanda Chaves, que estava sentada ao lado do motorista, foi ferida por estilhaços, segundo o Corpo de Bombeiros.
Creative Commons – CC BY 3.0 – Marielle Franco
Reprodução/Facebook
Dos nove tiros disparados, quatro atingiram a cabeça da socióloga, nascida no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. A tese de execução é a principal linha de investigação da Delegacia de Homicídios da capital.
Duas semanas antes, Marielle assumiu o cargo de relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Ela vinha se posicionando publicamente contra a medida. A parlamentar também chegou a denunciar, em suas redes sociais, no fim de semana, uma ação de policiais militares na favela do Acari. “O 41º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. (…) Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”, escreveu.
O governo federal afirmou que vai acompanhar a apuração do assassinato da vereadora. Pelas redes sociais, o presidente Michel Temer disse que o assassinato da vereadora e de seu motorista foi um “atentado ao Estado de Direito e à democracia“. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, colocou aPolícia Federal para auxiliar na apuração do crime. A organização não governamental Anistia Internacional pediu umainvestigação“imediata e rigorosa” do caso. A Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil se pronunciou, afirmando esperar rigor na investigação do caso e breve elucidação, comresponsabilização pela autoria do crime. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge disse que avalia federalizar investigação do assassinato:
O assassinato da vereadora repercutiu no meio político, cultural e nas redes sociais:
O Ministério dos Direitos Humanos expressou tristeza e pesar pela morte da vereadora, afirmando que todo o aparato doObservario e a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanosestão mobilizados para acompanhar o caso. Também o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) se pronunciou sobre o caso e o classificou como“profundamente chocante”.
A difícil tarefa dereconhecer o corpo da vereadora Marielle Francocoube à irmã, a professora Anielle Silva. Ela chegou por volta das 8h20 no Instituto Médico-Legal (IML) e levou mais de duas horas para concluir o processo de liberação do corpo da parlamentar.
Em seguida, Anielle falou com a imprensa. “Infelizmente, ela foi brutalmente assassinada. A gente mais uma vez sendo vítima da violência desse estado, sendo dessa ausência de segurança que a gente tem. Tentaram calar não só 46 mil votos [obtidos por Marielle na última eleição], mas também várias mulheres negras”, lamentou.
Marielle deixou uma filha de 19 anos.
Enterro
O corpo da vereadora Marielle Franco será enterrado depois das 16h, no cemitério São Francisco Xavier, no bairro do Caju, zona portuária do Rio, e o do motorista, Anderson Pedro Gomes, no mesmo horário, no cemitério de Inhaúma, zona norte da cidade. O velório está sendo realizado no Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal do Rio. Com cartazes e faixas homenageando Marielle, os manifestantes presentes pediam por justiça e gritavam o nome dela e, em seguida, respondiam: “presente!”,no momento da chegada dos caixões. A passagem do corpo da vereadora, carregado por políticos do PSOL e lideranças sociais, foi intensamente aplaudida em todo o trajeto até o Salão Nobre da Câmara.
Trajetória
Eleita com 46,5 mil votos, a quinta maior votação para vereadora nas eleições de 2016, Marielle Franco estava no primeiro mandato como parlamentar. Oriunda da favela da Maré, zona norte do Rio, Marielle tinha 38 anos, era socióloga, com mestrado em Administração Pública e militava no tema de direitos humanos, trabalhando em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Também coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio. No primeiro mandato, Marielle era presidente da Comissão Mulher da Câmara dos Vereadores do Rio.
Ato em homenagem
Amigos, ativistas e companheiros de política participaram hoje (15), à frente da Câmara Municipal, de umato em homenagem à vereadora Marielle Franco.
A estudante Fernanda Werner, de 16 anos, fez questão de ir até a Câmara Municipal do Rio para prestar sua homenagem à vereadora. “A melhor forma de homenagear a Marielle é continuar a luta dela. Está sendo muito difícil”.
Creative Commons – CC BY 3.0 – Ato em memória de Anderson Pedro Gomes e a Marielle Franco
Tânia Rêgo/Agência Brasil
O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que a morte de Marielle fere a democracia, os direitos humanos, a juventude e as mulheres. Ele disse esperar que a polícia apure o crime e descubra os responsáveis.
“Temos um mês de intervenção e um crime bárbaro desses, num local visível, cheio de unidades do poder público por ali, numa rua larga, iluminada. É insegurança total. Esses grupos mafiosos, grupos de extermínio, parece que quiseram dar uma demonstração de força”, disse o deputado, que é integrante da Comissão Externa da Intervenção Federal no Rio da Câmara dos Deputados.
Também deputado federal do mesmo partido de Marielle, Glauber Braga (RJ) disse que já foi solicitada uma reunião com o interventor federal na segurança do Rio, general Braga Netto, para tratar do assunto. A comissão já tinha uma reunião agendada com Braga Netto, para a próxima segunda-feira (19), mas há a possibilidade do encontro ser antecipado para amanhã (16).
Por meio de nota, o Gabinete da Intervenção informou que o general Braga Netto repudia as ações criminosas como a que culminou na morte da vereadora Marielle Franco e de Anderson Pedro Gomes, motorista da vereadora. “Ele se solidariza com as famílias e amigos. O interventor federal acompanha o caso em contato permanente com o Secretário de Estado de Segurança”, diz a nota do Gabinete de Intervenção.
O chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Rivaldo Barbosa, afirmou que a polícia vai adotar todas as medidas para dar umaresposta “necessária e suficiente”ao assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.
Confira a nota de pesar do PSOL, partido que Marielle era filiada:
“O Partido Socialismo e Liberdade vem a público manifestar seu pesar diante do assassinato da vereadora Marielle Franco. Estamos ao lado dos familiares, amigos, assessores e dirigentes partidários do PSOL/RJ nesse momento de dor e indignação. A atuação de Marielle como vereadora e ativista dos direitos humanos orgulha toda a militância do PSOL e será honrada na continuidade de sua luta. Não podemos descartar a hipótese de crime político, ou seja, uma execução. Marielle tinha acabado de denunciar a ação brutal e truculenta da PM na região do Irajá, na comunidade de Acari. Além disso, as características do crime com um carro emparelhando com o veículo onde estava a vereadora, efetuando muitos disparos e fugindo em seguida reforçam essa possibilidade. Por isso, exigimos apuração imediata e rigorosa desse crime hediondo. Não nos calaremos! Marielle, presente!”
Imprensa internacional repercute
A imprensa europeia voltou hoje (15) os olhos para o Brasil. O país está nas páginas dos principais jornais. No entanto, o olhar é de perplexidade.
“A onda de violência que sacode o Rio de Janeiro subiu mais um degrau”. É assim que começa a matéria do periódico espanhol El País, que noticia a comoção no Brasil pela morte da vereadora Marielle Franco, na noite de quarta-feira (14).
O jornal afirmou ainda que tanto os companheiros de Marielle quanto a polícia não duvidam de que o crime se trata de uma execução. “Inclusive em uma cidade tão acostumada com a violência, como o Rio, o crime provocou uma forte comoção, já que apresentou características inéditas até agora. Apesar de os mortos serem contados diariamente, são na maioria das vezes produto de enfrentamentos entre a polícia ou entre grupos de traficantes que disputam territórios, e que muitas vezes acabam com a vida de vizinhos como vítimas colaterais”. O caso de Marielle foi diferente.
O El País citou ainda declarações como a da ex-presidente Dilma Roussef, que se disse impressionada, estremecida e indignada com a morte prematura de Marielle. Citou ainda a Anistia Internacional, que exigiu do governo investigação rigorosa.
Nome de escola
O prefeito Marcelo Crivella anunciou hoje (15) que dará o nome da vereadora Marielle Franco (PSOL) a uma escola municipal em Pedra de Guaratiba, na zona oeste do Rio.
A escola que terá o nome de Marielle Franco está com cerca de 70% da obra concluída e será inaugurada nos próximos meses. A unidade abrirá vaga para mais mil alunos na rede pública municipal, aumentando para quatro mil o número de crianças atendidas no complexo escolar da Estrada do Magarça, em Pedra de Guaratiba. Outras três unidades passarão por reforma e ficarão como novas.
Fonte: EBC