Não é a riqueza dos trajes nem o brilho das fantasias o que mais me fascina. É claro que, especialmente à noite, os olhos não desgrudam dos corpos bonitos e das roupas, nem sempre sumárias, desenhadas com capricho para valorizarem os movimentos dos passistas.
Mas não é isto o que mais me encanta.
O que me deixa mesmo extasiada é ver a ordem, o empenho, o cumprimento de regras, o respeito à hierarquia, a organização a que todos se submetem espontaneamente.
Aquilo que nas ruas não se cumpre, no Sambódromo é regra indiscutível.
Perfilam-se todos os cidadãos com os olhos postos em um objetivo comum, o de fazerem o melhor que podem.
Passam um ano inteiro trabalhando duro, doando o pouco tempo que têm, a fazerem objetos que nem sabem quem usará; esmeram-se em fazer bem feito o que o anonimato nem permitirá que se identifique o autor.
Não faltam aos ensaios e nem a doença os afasta do compromisso com a escola de samba e com o objetivo longínquo de ganhar.
De onde vem essa energia que tanto nos falta nos outros dias do ano, no trabalho, nas escolas, na própria vida em família?
De onde surge essa energia que não se faz presente quando é preciso protestar? Ou quando é preciso apenas cumprir? Ou dizer a verdade?
De que recônditos quartos escuros da personalidade surge esse cidadão ideal, invejável na sua correção e no civismo?
Do que sofre o país que não motiva os seus filhos a serem sérios, honestos, competentes?
O que fazem esses quatro dias do ano que transformam indolentes funcionários de empresas desinteressantes, alunos de escolas entediantes, a se transformarem subitamente em cidadãos de elite?
Boa reflexão para a quarta feira de Cinzas…