Ela chegou!
Sem dúvida alguma, um dos assuntos mais polêmicos e complexos das últimas décadas, em vários cenários.
Tramitou de maneira célere e surpreendente, um verdadeiro rolo compressor que se viu nas casas do parlamento brasileiro, com poucas e bem frágeis discussões técnicas do assunto.
Principiou em fevereiro do corrente ano, através da exibição midiática da proposta de Emenda Constitucional de número 6, depositada em mãos ao Presidente da Câmara Federal.
Em calendário já anunciado mesmo antes da sua entrega formal, passou por algumas reuniões, de praxe, rituais e de novo, com pouca participação da sociedade, sobretudo da comunidade jurídica especializada, preterida no trajeto parlamentar.
Em um ambiente político conturbado foi considerada apta em dois turnos dentro do planejamento proposto, com algumas modificações que “desidrataram” o projeto reformador inaugural, mas que em sua essência continuou a abrigar uma expressiva alteração do sistema previdenciário, sobretudo aos mais necessitados.
No Senado Federal, de igual forma tramitou com rapidez surpreendente e a revelia de um debate maduro sobre o assunto como se espera, notadamente pela natureza do objeto em si, ao passo que no fim de outubro do corrente ano restou aprovada em seu segundo turno de votação.
Também, com poucas alterações ou inovações a respeito.
A espera de sua promulgação final para imediata vigência, não se pode afirmar com segurança que a sociedade brasileira por sua representação parlamentar fez escolhas para o avanço, para o progresso, à evolução, mas sim para retrocessos em um ambiente perigoso de fragilidades técnicas graves em várias alterações convalidadas.
O que se percebe é que o projeto proclamado pelo parlamento tupiniquim atingiu em cheio expressiva classe de trabalhadores do regime geral de previdência que vivem com uma média de dois salários mínimos.
E nem se fale do desemprego, informalidade, acessibilidade, etc.
Mudanças ocorreram de maneira diversificada, grandiosas e revolucionárias, com exclusões de prestações, alterações de outras, enfim, uma quebra de paradigma substancial.
Se percebe um novo modelo em que a ativação dos trabalhadores para a jubilação das prestações ocorrerá de maneira tardia e com valores reduzidos, em um perigoso ambiente que vai desestimular a própria continuidade de filiação ao sistema.
Ora, uma mulher, por exemplo, terá que se aposentar com 62 anos e aos 15 anos de contribuição com redução do cálculo dos atuais 85% para 60% da médica contributiva. Em um país de excluídos a expressão econômica será aviltada e o tempo de acesso ao benefício dois anos mais distante, mesmo sabendo todos das dificuldades de acesso da mulher no mercado de trabalho, as ofertas de emprego, dupla jornada, etc.
Também, inova perigosamente a proposta em inserir o requisito etário na aposentadoria especial, fazendo com que o trabalhador já em situação de prejuízo presumido pela agressividade do ambiente de trabalho permaneça por mais tempo para tão somente acessar o benefício ao atingir o limite de idade.
Aqui, um grandiosíssimo retrocesso, na contramão da essência que natura a previdência enquanto técnica protetiva.
Não bastassem esses intricados aspectos, de igual forma a pensão por morte, em que a dependente da sociedade conjugal terá expressiva redução financeira se única dependente, vale dizer, dos atuais 100% passará a auferir 60%, além de ter que realizar escolhas para acumular benefícios.
Esqueceu o debate da inspiração constitucional de abrigo igualitário entre segurados e dependentes, sendo vedada qualquer distinção a respeito, além de que o benefício do instituidor da pensão foi gerado com o custeio integral, razão de que não pode a sua entrega ser a menor, se houve a contrapartida financeira e a maior.
Mesmo no sistema geral de apuração da renda mensal inicial dos benefícios, tendo em vista que a proposta encerrou o parâmetro de inserção de 80% dos maiores salários-de-contribuição, preferindo englobar 100% de todos os salários, abaixando expressivamente a média do período de apuração.
Pena que estes aspectos, dentre outros, não estarão vivos em determinados segmentos, como os servidores estaduais, municipais, militares, policiais militares, civis, bombeiros, dentre outros, preferindo o modelo reformador em sua vultuosidade impactar em larga escala trabalhadores impactados pela exclusão social.
Em um grandioso país de oscilações sociais notórias, em muitos cenários excludentes, a bem da verdade a recente aprovação trouxe mais dúvidas do que certezas, podendo, a contrário sensu, esperar um futuro sombrio da proteção previdenciária, o que não planejamos no horizonte de 1988.
Dr. Sérgio Henrique Salvador é Mestre em Direito (Constitucionalismo e Democracia) pela FDSM. Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela EPD/SP e em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Conselheiro da 23ª Subseção da OAB/MG. Professor Universitário. Escritor pelas Editoras Conceito, LTr e Revista dos Tribunais. Integrante do Comitê Técnico da Revista SINTESE de Direito Previdenciário. Colunista do Empório do Direito. Professor do Instituto Elpídio Donizetti (IED). Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Advogado em Minas Gerais.