“Buscamos incansavelmente a felicidade de viver com dignidade e não apenas sobreviver. Fazemos de tudo para combater a doença, a dor, o sofrimento e vencer a própria morte. Estamos cada vez mais aparelhados pelas inovações tecnológicas nesta empreitada. Num lance de `ilusão utópica´ podemos até acreditar que a realidade do morrer não faz parte de nosso existir. Pensamos e agimos como se fôssemos imortais.
Ouvimos frequentemente de doentes terminais, que eles não têm tanto medo de morrer, mas sim de sofrer. O que eles temem na verdade é processo do morrer, marcado pela dependência, a impotência e dor não aliviada que se associam à doença. Enquanto a dor física é a fonte mais comum do sofrimento, o sofrimento ligado ao morrer vai além do mero nível físico, atingindo o todo da pessoa. O enfrentamento da dor exige medicamentos analgésicos enquanto que o sofrimento solicita um horizonte de significado e sentido. A dor sem explicação geralmente se transforma em sofrimento. O sofrimento é uma experiência humana profundamente complexa em que tem um papel fundamental os valores sócio culturais e religiosos. Um dos principais perigos em negligenciar a distinção entre dor e sofrimento é a tendência dos tratamentos se concentrarem somente nos sintomas e dores físicas, como se somente estes fossem a única fonte de angústias e sofrimentos para o paciente.
Esta perspectiva nos permite continuar agressivamente com tratamentos fúteis, na crença de que enquanto o tratamento protege os pacientes da dor física, ele protege de todos os outros aspectos também. O sofrimento tem que ser cuidado nas suas várias dimensões fundamentais ou seja, dimensão física, psíquica, social e espiritual.
Fala-se em legalização da eutanásia. Somos frontalmente contra. Olhando para nossa realidade, o desafio ético é de considerar a questão da dignidade no adeus à vida, para além da dimensão físico biológica, do contexto médico hospitalar, ampliando o horizonte integrando a dimensão sócio-política-relacional. […]
Entre dois limites opostos, de um lado a convicção profunda de não abreviar intencionalmente a vida (eutanásia) de outro, a visão para não prolongar o sofrimento e adiar a morte (distanásia). Entre o não abreviar e o não prolongar está o desafio de cuidar do sofrimento. Como fomos cuidados para nascer, precisamos também ser cuidados para morrer. A vida humana, no seu início, bem como no final, é total vulnerabilidade, que nos convoca ao cuidado máximo. Aqui a palavra de ordem é solidariedade, que não se coaduna com autonomia de abreviação de vida. É importante lembrar o que diz Cicely Saunders, fundadora do moderna filosofia de cuidados paliativos: ´o sofrimento humano somente é intolerável quando ninguém cuida´”.
Leo Pessini é Professor doutor em bioética no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética do Centro Universitário São Camilo em São Paulo. Membro do Board da International Association of Bioethics, (2001-2005). Autor da obra: Distanásia: até quando prolongar a vida, Ed. Loyola, S. Paulo, 2002.
Ele morreu em 24.07.2019, e se foi um grande pensador. Minha homenagem!