Ilustração da formação de um planeta em torno de uma estrela semelhante ao Sol, com rochas e moléculas de ferro, os blocos primordiais de formação dos planetas, em primeiro plano. Crédito: Tania Cunha (Planetário do Porto – Centro Ciência Viva e Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço)
Uma pesquisa liderada pelo pesquisador Vardan Adibekyan do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço3 (IA) da Universidade do Porto em Portugal, em colaboração com uma equipe internacional4 que inclui o pesquisador Eder Martioli do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) no Brasil, publicada hoje na revista Science1, apresenta uma nova correlação entre a composição química de planetas rochosos e de suas estrelas hospedeiras, mas que não é exatamente como se pressupunham os modelos.
Estrelas recém-formadas possuem um disco protoplanetário composto de gás e poeira. Uma fração do material deste disco se condensa no material que dá origem aos planetas, e o resto acaba caindo na estrela. Por causa de sua origem comum, acreditava-se que a composição química desse material de origem dos planetas rochosos de baixa massa deveria ser semelhante à composição de suas estrelas hospedeiras. No entanto, até agora o Sistema Solar era nossa única referência disponível, onde sabemos que a quantidade dos principais elementos formadores de materiais rochosos, como magnésio, silício e ferro, nos planetas telúricos2 (com exceção do planeta Mercúrio) é semelhante à do Sol.
Esta pesquisa encontrou pela primeira vez uma correlação entre a composição química de exoplanetas rochosos e a composição da estrela hospedeiram, onde mostrou-se que o conteúdo de ferro desses planetas é maior do que se previa com base na composição dos discos de formação planetária. Este enriquecimento em ferro pode estar relacionado não somente ao material que compõe os discos, mas também aos processos de formação de planetas. Esse estudo fornece evidências importantes para sustentar modelos de formação planetária.
A equipe4 selecionou os 21 exoplanetas rochosos mais bem caracterizados e utilizou suas medições de massa e raio para determinar suas densidades, bem como estimar a quantidade de ferro na composição química desses planetas. Para determinar a composição química de suas estrelas hospedeiras, e então determinar a composição dos componentes formadores de material rochosos, utilizou-se espectros de alta resolução coletados com espectrógrafos de última geração em observatórios ao redor do mundo, tais como o espectrógrafo GRACES do observatório Gemini Norte no Havaí e os espectrógrafos HARPS e EXPRESSO do European Southern Observatory (ESO) no Chile, além de instrumentos do observatório Roque de los Muchachos nas ilhas Canárias.
Uma nova geração de telescópios extremamente grandes, os ELTs (sigla para o termo em inglês — Extremely Large Telescopes), permitirá que essa pesquisa avance através da obtenção de medidas da massa de exoplanetas de menor massa, e permitirá ainda um aprofundamento desses estudos através da análise da composição atmosférica de planetas rochosos, fornecendo evidências adicionais sobre a ligação química entre a estrela e os planetas em sua órbita.
A equipe4 também encontrou um resultado intrigante. Eles descobriram uma lacuna entre a fração de ferro das super-Terras e dos super-Mercúrios5, o que implica que esses planetas parecem ser populações distintas em termos de composição, com implicações para sua formação. Isso exigirá um estudo mais aprofundado, uma vez que as simulações de formação de planetas que incorporam colisões únicas são incapazes de reproduzir os super-Mercúrios de maior densidade.
Notas
- O artigo “A compositional link between rocky exoplanets and their host stars.”, foi publicado hoje na revista Science, Vol. 375, Issue 6565 (https://www.doi.org/10.1126/science.abg8794).
- Os planetas telúricos (também conhecidos como planetas terrestres ou rochosos) são uma classe de planetas composto principalmente por silicatos e metais, distribuídos em uma estrutura diferenciada, com núcleo metálico e superfície rochosa.
- O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a unidade de investigação portuguesa de referência nesta área, integrando investigadores da Universidade de Lisboa e da Universidade do Porto, e engloba a maior parte da produção científica nacional da área. Foi classificado como “Excelente” na última avaliação de unidades de investigação e desenvolvimento realizada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, nomeadamente FCT / MCES (UIDB / 04434/2020 e UIDP / 04434/2020).
- A equipe de cientistas dessa pesquisa é a seguinte: Vardan Adibekyan (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), Caroline Dorn (University of Zurich, Institut of Computational Sciences), Sérgio G. Sousa (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Universidade do Porto), Nuno C. Santos (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), Bertram Bitsch (Max-Planck-Institut für Astronomie), Garik Israelian (Instituto de Astrofisica de Canarias & Dep. de Astrofìsica, Universidad de La Laguna), Christoph Mordasini (Physikalisches Institut, University of Bern), Susana C. C. Barros (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), Elisa Delgado Mena (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Universidade do Porto), Olivier D. S. Demangeon (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), João P. Faria (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Universidade do Porto) Pedro Figueira (European Southern Observatory & Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço), Artur A. Hakobyan (Center for Cosmology and Astrophysics, Alikhanian National Science Laboratory), Mahmoudreza Oshagh (Instituto de Astrofisica de Canarias & Dep. de Astrofìsica, Universidad de La Laguna), Bárbara M.T.B. Soares (Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço & Dep. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), Masanobu Kunitomo (Dep. of Physics, School of Medicine, Kurume University), Yoichi Takeda (National Astronomical Observatory, Mitaka & Sogo kenkyu daigakuin daigaku, The Graduate University for Advanced Studies, Mitaka), Emiliano Jofré (Instituto de Astronomía, Universidad Nacional Autónoma de México; Universidad Nacional de Córdoba – Observatorio Astronómico de Córdoba & Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas, Argentina) Romina Petrucci (Universidad Nacional de Córdoba – Observatorio Astronómico de Córdoba & Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas, Argentina), Eder Martioli (Institut d’Astrophysique de Paris, Centre national de la recherche scientifique, Sorbonne Université & Laboratório Nacional de Astrofísica, Itajubá)
- Super-Terras e super-Mercúrios são os análogos de maior massa da Terra e de Mercúrio em termos de composição. A diferença entre a composição de um planeta semelhante à Terra e a de um planeta semelhante a Mercúrio é que “Mercúrios” têm um conteúdo de ferro maior (e núcleo de ferro). Tradicionalmente, para o caso de Mercúrio, acredita-se que isso seja o resultado de uma colisão gigante que rasgou parte do manto de Mercúrio, um evento que ocorreu durante os primórdios da formação planetária do Sistema Solar