Cena bonita. O rapaz que poderia ser um neto do idoso ou um cuidador contratado pela família, amparava carinhosamente o senhor. Depois das habituais considerações filosóficas que me assaltam como a fugacidade da vida e a fragilidade de nossos corpos que perdem a agilidade muito mais rápido do que possamos imaginar, considerei também o problema atual da imensa população idosa. Não é mais possível ignorar que dentro de poucos anos a população idosa terá aumentado assustadoramente e em contrapartida, o contingente de jovens será infinitamente menor.
Eu já ouvia este discurso há dez anos frequentando as reuniões da ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer), quando então minha mãe precisava de constantes cuidados pela sua condição de idosa e demente. É, a sociedade mudou, o mundo ocidental mudou, a família mudou. Em minha própria família constato a mudança, pois tenho cinco irmãos, sendo que dois têm apenas dois filhos cada e os outros apenas um filho. É lógico que o número de idosos será superior, já é, e será muito mais.
Comentando o fato com meu marido, ele argumentou que antigamente os idosos não davam tanto trabalho e não precisavam de tantos cuidados e cuidadores, ou seja, permaneciam independentes por muito tempo e morriam naturalmente sem a parafernália de procedimentos e aparelhos hospitalares. Só não pude concordar com a primeira parte. Em todos os tempos os idosos sempre precisaram de muitos cuidados, com exceção de uma ínfima minoria que conseguia chegar à idade avançada com independência, saúde, lucidez e bom humor. Mas quem os cuidava? Quem podia pagar tantos cuidadores? Ora, a família cuidava porque era numerosa, havia tantos filhos que era possível distribuir tarefas para todos que se revezavam, de maneira geral. Também é lógico que sempre havia os filhos que pulavam fora ou moravam longe porque a vida não é exata. Onde tem gente tem coisa de gente.
Falo com propriedade e como testemunha ocular dos cuidados familiares que receberam meus avós paternos. Eram dez filhos com respectivos genros e noras. Por ocasião da doença de minha avó, eu me lembro de minha mãe estar escalada para tal dia e tal horário, assim como suas cunhadas e concunhadas. Mas peraí gente, era Pedralva em outro tempo, outro mundo, era minha “Macondo” incrustada nas Terras Altas da Mantiqueira. Era um povoado pra lá de encantado que se distribuía ao redor de uma igreja com todo o povo escutando o sermão de um pregador antigo que vinha nas sextas feiras santas. Era um lugar fantástico, místico, com histórias cheias de lirismo, quase um cenário de filme, romance, uma ficção. Se contar ninguém acredita, como dizia minha mãe.
Nos domingos à tarde todos os filhos se reuniam na casa paterna que até hoje tem em sua porta a data da construção: 1872. E a vida parecia uma festa. Meus avós receberam todos os cuidados da própria família em sua própria casa. Não usaram sondas gástricas nem ficaram ligados a tubos até porque isso nem existia. Hoje é outra realidade, são poucos os filhos, todos trabalham. E a situação deve ficar mais difícil, pois a população idosa no Brasil quase triplicará até 2050.
Minha avó morreu do jeito antigo, deitada em sua cama com vela acesa na mão, rodeada pelos filhos e todos rezando a Salve Rainha, o quarto lotado. Eu estava lá com meus sete ou oito anos e vi tudo. E minha “Macondo” às vezes surge das brumas do tempo com toda sua magia, me fazendo reviver aquelas histórias cheias de encantamento. Certamente que os idosos eram bem mais felizes, mas por outro lado uma nova profissão chegou para ficar: a de acompanhantes e cuidadores de idosos.