Certo que pouco há para se comemorar.
Um caos previdenciário institucionalizado, desprovido de um plano público e emergencial para a correção de rotas, minimamente necessário para que esse importante órgão federal realize suas relevantes finalidades no cenário nacional, notadamente àquelas inseridas na legislação previdenciária, tanto constitucional quanto infraconstitucional.
É o INSS um importante órgão federal que faz a gestão das prestações previdenciárias do Regime Geral de Previdência Social, o conhecido RGPS, aliás, o maior regime jurídico previdenciário brasileiro e um dos mais complexos do mundo.
Por certo que atua e deve atuar neste terreno de proteção jurídica, vale dizer, tutelar seus filiados trabalhadores em específicas situações de necessidade social. Essa a essência que confere vida a Previdência Social entendida amplamente como uma genuína técnica constitucional de proteção previdenciária, em regra contributiva, solidária, de filiação obrigatória, dentre outros aspectos.
O abrigo, a proteção e a tutela jurídica integram a atividade-fim de qualquer regime previdenciário, sobretudo àqueles que escolheram o bem-estar; a justiça social e a dignidade da pessoa humana como premissas fundantes e consolidadas em textos constitucionais.
Um contexto de otimismo e esperança traçado a partir da Carta Cidadã de 1988 em uma programação de futuro para melhorias, integração e aperfeiçoamento de pactos sociais. Porém, em vias adversas, encontram os trabalhadores brasileiros uma desenfreada e triste crise institucional da autarquia.
Não por menos que o INSS ocupa a surpreendente posição de ser o grande réu da Justiça Brasileira.
Enormes filas; atrasos; ausência de servidores; concursos; problemas operacionais; erros nas análises, etc., há muito tem sido a rotina do INSS do pós-pandemia, sem um responsável programa público de enfrentamento dos sérios problemas que ocorrem em larga escala e que cada vez mais se propagam em solo pátrio.
Assim, justificado o rótulo do INSS como um órgão público mergulhado em plena crise institucional e também afirmar que existe um caos previdenciário evidenciado.
A bem da verdade, a correção das mazelas previdenciárias e da comprovada ineficiência do INSS tem ocorrido gradualmente em outro caminho, ou seja, via tutela jurisdicional no debate da emergente tese jurídica do dano moral previdenciário.
Em decorrência de seu papel-mor e constitucional o Judiciário recepciona as teses apresentadas e, se valendo das técnicas do Direito, proclama seus mais diversos resultados, produzindo entendimentos e buscando a tão sonhada paz social.
O dano moral previdenciário tem sido invocado no atual estágio da crise, como uma válida rota de compensação/correção das mazelas do INSS em uma avolumada recepção do Judiciário Nacional, cada vez mais sensível a viabilidade e utilidade da tese ao momento presente.
Casos de suspensão indevida de benefícios; interrupções indevidas ; indeferimentos indevidos; erro de fundamentação na negativa de benefícios; erro do procedimento; maus-tratos no atendimento e várias outras possibilidades têm tido agigantada repercussão jurídica perante os Tribunais Brasileiros, afirmando o recado de sua importante utilidade para corrigir/amparar/compensar os trabalhadores brasileiros frente ao caos institucionalizado pelo INSS.
A tese, de origem doutrinária e aperfeiçoamento jurisdicional, ganha força e visibilidade no cenário pátrio, com grande interesse não só jurisdicional, mas também acadêmico e da literatura jurídica.
Theodoro Vicente Agostinho um dos idealizadores da tese assevera que: “O dano moral serve para corrigir situação a que o segurado foi submetido pelo INSS. E também deveria ajudar a administração pública a se organizar para prestar um melhor serviço. Bastava primar por uma administração mais competente, treinar com melhor os servidores, e em última análise, respeitar as normas regulamentadoras da Constituição”.
Em recentes estudos restou apurado que há precedentes em todo o país a respeito, das mais diversas situações e valores, com uma crescente aparição nos últimos anos, mesmo no período anterior da pandemia, com condenações diversas do INSS e ampla repercussão nacional.
Como exemplo, um recente julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 01ª Região que bem consignou o alcance do dano moral nas relações previdenciárias geridas pelo INSS: “No mais, o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, ao analisar a hipótese, explicou que nos autos foram anexados documentos que comprovam os fundamentos do autor e os prejuízos sofridos por ele diante da suspensão do benefício de natureza alimentar, e, desse modo, devem ser reparados os danos morais pleiteados…Em seguida, o Colegiado deu provimento à apelação do autor e afastou a prejudicial da prescrição, e, no exame, julgou procedente o pedido do requerente, condenando o INSS a reparar o dano moral causado em decorrência da indevida suspensão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço”.
Também, um outro precedente demonstra o necessário alcance e utilidade da tese, notadamente quanto a seus aspectos pedagógicos e corretivo, em que houve erro administrativo na análise cadastral, excessiva demora e ainda o falecimento do trabalhador durante o processo, conforme fundamentação crítica apontada pelo julgador: “Embora seja causa externa ao limite objetivo da presente lide, não se pode ignorar que o beneficiário — demandante originário da presente ação — veio a óbito. Questiona-se se com atuação diligente da autarquia, e se não tivesse o autor ficado mais de seis anos sem a percepção do benefício, seu estado de saúde poderia ter sido outro, ou, ao menos, seu sofrimento em busca de tratamento de saúde não poderia ter sido atenuado.”.
A bem da verdade o caminho de enfrentamento da crise deveria ser outro, contudo, é com a tese do dano moral previdenciário que os pilares da Justiça Social, Dignidade Humana e Bem-estar, no mínimo estão sendo respeitados, na firmada esperança de que o importante efeito pedagógico da tese possa trazer impacto estrutural nesta visível tempestade previdenciária de perigosos retrocessos.
Por Sérgio Henrique Salvador
Mestre em Direito Constitucional (FDSM). Pós-graduado pela EPD/SP e PUC/SP. Professor Universitário. Escritor com mais de 15 livros publicados. Pesquisador. Advogado em Minas Gerais. Integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB/MG. Membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de professores brasileiros no “I Congresso Internacional de Seguridade Social” da Faculdade de Direito de HARVARD (EUA) em agosto/2019.